sexta-feira, 14 de junho de 2013

Ciclo de Literatura Russa - CURSO DOSTOIÉVSKI


A NOITE DE TERÇA-FEIRA, DIA 11 DE JUNHO, 

ABRIU UM NOVO ESPAÇO PARA SE DISCUTIR A LITERATURA RUSSA E ROMPEU, POR EXTENSÃO, COM A INÉRCIA NO RIO GRANDE DO SUL: 

DOSTOIÉVSKI AGORA É LIDO E SIMULTANEAMENTE ANALISADO NUM CURSO ESPECÍFICO SOBRE 

O AUTOR DE CRIME E CASTIGO E OS IRMÃOS KARAMÁZOV


Ao criar este Ciclo de Literatura Russa e iniciá-lo por Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski, resolvi oportunizar meus anos de estudo acumulado sobre a obra e a vida de autores russos.
O Ciclo de Literatura Russa expandirá discussões, na sequência, da vida e da obra de Tolstói, Tchékhov, Gógol e Turguêniev.
Selecionei material também para uma exposição realizada na abertura do Curso Dostoiévski de edições das obras do autor de Os demônios que contou com 243 títulos dos mais variados anos, editoras e traduções.


1. O objetivo deste Curso. Não somente teorizar sobre a obra de Dostoiévski, como incentivar o convidado a ler, durante os cinco meses de sua realização, uma obra por mês do autor de O idiota

2. O público esperado. Reconheço que imaginei o extremo em nível do interesse do público: ou um e outro interessado ou um grupo mais expressivo. 

3. O ocorrido. Falta de vagas para as turmas abertas, restando poucas vagas para a turma em Caxias do Sul. 

4. As turmas planejadas. Abri três turmas do Curso Dostoiévski: duas em Porto Alegre; uma em Caxias do Sul. Em Porto Alegre, no Absolutto Pré-Vestibular por Disciplina (Rua André Puente, 354 – Bairro Independência) e na Livraria Palavraria (Rua Vasco da Gama, 165 – Bairro Bom Fim). Em Caxias do Sul, no Cursão-Premium (Rua Os 18 do Forte, 1771 – Bairro Centro). 

5. A repercussão. O acolhimento do público à proposta do curso oferecido foi imediato: praticamente um mês antes de seu início não havia mais vaga nas turmas de Porto Alegre. 

6. O reconhecimento e a satisfação. Publicamente, para as turmas de Porto Alegre e de Caxias, meu reconhecimento por um empenho maior do que a própria busca de vagas ofertadas: o interesse pela cultura, pela diversidade, pela discussão e pela conservação do prazer máximo de uma leitura qualificada. 

7. O ineditismo. Pela primeira vez, pelas informações que possuo, não há precedente de um Curso ou um Ciclo de Literatura Russa deste porte, ou seja, envolvendo material impresso e discussão de nomes considerados geniais do século XIX e XX da cultura e da literatura russas.
















sábado, 1 de junho de 2013

Uma criatura dócil - F. M. Dostoiévski

UMA CRIATURA DÓCIL  (Кроткая)
de Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski
(Федор Михайлович Достоевский)





                 
  
“O Sol está nascendo, olhem para ele, por acaso não é um cadáver?” 1
(do narrador de Uma criatura dócil)


            Terrível contraste Dostoiévski impõe ao seu leitor nesta novela que aparece inicialmente no jornal Golos (A Voz) em outubro de 1876. Neste mesmo ano, o autor redige em seu Diário de um escritor, comentários sobre a notícia de uma costureira moscovita que, atingida pela miséria, se suicida na capital do Império russo, jogando-se da janela de um alto edifício. Chama a atenção de Dostoiévski, na ocasião, um detalhe: um suicida e uma imagem da Virgem. Tal moça, de nome Maria Boríssova, não deixa com sua morte o descuido da cena minúscula para alguém como Dostoiévski: em vez de algum bilhete, um ícone sagrado.
           

1. O tirano e eloquente marido. Homem solitário, autoritário, articulador, penhorista, com passado desdenhado pelos que o conhecem (covardia num duelo, expulsão do regimento, morada em cortiço afamado pela indecência, etc.), contumaz em seu jogo de silêncio, de sedução e de contradição, “compra” um casamento, ao tirar da miséria, da casa de tias “sem eira nem beira” e de um futuro casamento com um tosco vendeiro obeso cinquentão uma jovem e dócil criatura em seus 16 anos. Ao procurar a fuga da vida miserável que a sucumbe, a moça (ela não tem seu nome apresentado pelo narrador e marido) coloca anúncios no jornal Golos (veja que não escapa de Dostoiévski o nome do jornal que noticia a morte de Boríssova e também o do cortiço Viázemski frequentado em certa ocasião pelo narrador em São Petersburgo) para obter colocação que lhe dê sustento favorável. São penhorados, também, insignificantes objetos por ela. O início da relação com ele então surge. Usando-se da fraqueza financeira da moça miserável, o agiota se agarra na ideia de usurpar a vida de sua vítima se impondo como gerenciador do casamento e dos sentimentos da ingênua moça. Mas o tirano enfrenta também dificuldades, pois a jovem o enfrenta com desdém, com silêncio (embora ele se autodenomine “mestre na arte de falar em silêncio”). Torna-se, de dócil, em algoz e tirana criatura. A intensidade psicológica da narrativa ganha força extrema, pois as desconfianças e conclusões do narrador redobram na busca de explicações para seu relacionamento e sua “tática” para dominar a esposa e, desta maneira, manter a função de marido dentro de um contexto social.

2. A desigualdade como escolha. Homem solitário levado por esta preocupação do início ao final do seu relato, o narrador aglomera pensamentos discordantes entre a diferença de idade entre ele e ela: o narrador-quarentão tira a menininha da lama, mas se lambuza no amor que contracena com a morte dela em etapas. Reconhecendo uma série de erros (algo falha, ele avalia, pois se torna amigo da dócil criatura!) e o plano matrimonial de relacionamento (ela deve reconhecer o sentimento nobre do marido – o que não ocorre!), ele, no final da narrativa, se desmancha na loquacidade de seu desespero amoroso, beijando os pés e o chão em que a esposa pisa. A desigualdade entre o casal se inverte com as atitudes dele: se outrora o fascínio pela ingenuidade dela o comove e o alimenta em seus objetivos tirânicos, agora sua fragilidade o compromete, pois, ela, assustada, entra em histeria nervosa que a desfalece e a corrompe fisicamente. O que resta a ela neste contexto? Uma reflexão com a cabeça encostada na parede do quarto, um ícone apanhado, uma janela aberta e um se jogar para não se corromper por um amor que não pode cumprir. Assustada, opta pela destruição, fazendo com que o atento leitor recorde das dificuldades que Madalena (em São Bernardo - 1936, de Graciliano Ramos) enfrenta em seu matrimônio com o fazendeiro Paulo Honório. Para os caboclos de Honório, todos os caminhos acabam na venda; para o narrador dostoievskiano, todos os caminhos propostos a ele mesmo para escapar da solidão terminam em seu orgulho. Enfim, os fins parecem justificar os meios: se há culpados, a parcela da culpa é desigual também, porque ela é a culpada e, segundo ele, ele, por ter se atrasado cinco minutos não evita a morte dela e o retorno dele ao isolamento.

3. A morte pede a palavra. O texto de Uma criatura dócil já foi analisado como rompedor do conceito de novela clássica pelo crítico russo Leonid Grossman – Dostoiévski artista, pois biografa dois personagens que dividem o espaço narrativo: a vida do narrador (sem muito talento, pouca inteligência, desagradável, franco, 41 anos, desprezado e esquecido por todos – na escola e no regimento, orgulhoso, penhorista, econômico, preconceituoso, etc.) e da moça (pai mortos, miserável, submissa, arroubos doentios, direito de amar, retidão, ignorância da vida, convicções gratuitas, dócil, tirana, impetuosa, agressiva, desvairada, nervosa e histérica, assustada, temerosa, novamente submissa, pensativa, suicida). Mas merece destaque a morte, direta ou indiretamente lembrada por Dostoiévski. A narrativa principia com uma mulher morta (ela, no caso) em cima de duas mesas de jogo num apartamento de dois cômodos; os pais dela estão mortos; ele, ao descobrir o encontro que ela tem com um inimigo tenente dele, arma-se de um revólver para ameaçar a esposa adulterina; ela, quando ele está dormindo, encosta o mesmo revólver na têmpora dele; o suicídio dela; e as conclusivas dele frente à morte: “Acho que muitos suicídios e homicídios são cometidos somente porque o revólver já foi empunhado.”; “Os condenados à morte, dizem que eles dormem profundamente na última noite.”, porque senão não suportariam... Dostoiévski vive minutos preciosos de vida frente à morte quando de sua condenação política por fuzilamento, comutada pela “bondade do czar” (entenda-se sadismo do czar) em trabalhos forçados na Sibéria – relato biografado em Recordações da casa dos mortos – 1862, além da ideia da escrita dada pela morte real da moscovita costureira em São Petersburgo.

4. O pedido final ou do sadismo ao masoquismo. Por cinco minutos, segundo o marido, que prepara os passaportes do casal para que possam viajar e, por extensão, para o recomeço de uma nova vida, depois dela prometer-lhe ser fiel e respeitosa esposa (mas segundo ele, ela fica assustada com a revelação que ele faz de seu amor, preferindo assim a morte: “Não quis me enganar com um amor pela metade, sob uma fachada de amor ou com um quarto de amor.”), a vida deles será diferente, assim, mesmo ela não o amando, assim, mesmo que ela partisse com outro e ele a observar do outro lado da rua, assim, se ela, agora, abrisse os olhos pela última vez, assim, como “O Sol está nascendo, olhem para ele, por acaso não é um cadáver?”.

5. De duas certezas. “Eu a esgotei, isso sim.” e “... quando a levarem amanhã, o que vai ser de mim?”.


1  Esta e as demais citações foram retiradas de Uma criatura dócil, tradução de Fátima Bianchi, Cosac & Naify, 2003.