Tio Vânia (Дядя Ваня)
Antón Pávlovitch Tchékhov
А н т о́ н П а́ в л о в и ч Ч е́ х о в

Nos versos de “Madrigal melancólico”, em O ritmo dissoluto (1924), de Manuel Bandeira, estes versos caem muito bem como exemplificação para Tio Vânia:
O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
Se a beleza é sinônimo de vitória na figura de Ielena Andréievna, também pode significar derrota para Ielena e todos aqueles que veneram esta figura maravilhosa e atraente.
O enredo de Tio Vânia passa-se no ano de 1896 e tem como subtítulo “Cenas da vida rural”. Cenas em quatro atos em movimento cíclico, se pensarmos que o trabalho executado na propriedade por Sonia e por Vânia terá continuidade no final do Quarto Ato. A vida apresentada por Tchékhov tem pouca ou nenhuma alteração, e a passividade de tio Vânia e de sua sobrinha Sonia ratificam esse imbróglio que é o tédio e o arrastar de uma existência sem sentido, sem felicidade e com a consciência de que a resignação dos golpes dados pelo destino é algo inexorável. Se haverá uma nova vida? Isso ficará a cargo da transcendência da própria morte ou das gerações futuras que, certamente, não reconhecerão esforço algum nos homens do passado. Tchékhov constrói em suas peças atritos que vão crescendo até se tornarem insuportáveis.

No Segundo Ato, as rivalidades continuam, seja com o professor não acreditando na competência do médico Astrov, tio Vânia e Astrov insatisfeitos com suas vidas, tornando-se uns “ursos rabugentes”. Astrov empolga-se com a beleza das mulheres, mas não acredita em relação íntima com ninguém. Ielena, idolatrada por Astrov e por Vânia, é a antítese de Sonia. Serebriakov, a antítese de Vânia. Este julga sua vida desperdiçada, sem passado e com um presente idiota. Astrov ama a vida, mas não aguenta a “vidinha burguesa e provinciana” que leva. Para ele, é difícil conviver com os intelectuais e, com os camponeses, impossível, pois são atrasados e sujos.
A peça começa a ganhar tensão principalmente no Terceiro Ato, quando da reunião proposta por Serebriakov. Este tem como objetivo vender a propriedade rural, para desespero e desconforto de tio Vânia. Os atritos continuam em paralelos: Astrov agarra pela cintura Ielena (esta encosta sua cabeça no peito dele para, em seguida, safar-se. No Quarto Ato, ao despedir-se de Astrov, Ielena abraça-o impetuosamente.); Sonia e Vânia são infelizes; Ielena é chamada de preguiçosa por Vânia; Sonia pergunta se é feia; Sonia chama Ielena de feiticeira; Ielena indaga como aguentarão todo um inverno na fazenda; Ielena tem vontade de fugir mas falta-lhe coragem; Ielena apaixonou-se um pouco por Astrov; e, finalmente, a revolta e a má pontaria de Vânia, pois atira com uma pistola em Serebriakov e erra por duas vezes.
No último e Quarto Ato, os conflitos são ajustados pela paz e harmonia, justificando toda e qualquer explosão por parte de alguns personagens como mera interferência sem resultado eficiente e, portanto, a manutenção da vida tediosa, arrastada e inócua. O casal desarmônico parte, assustado, para Kharkov; os horários da casa (chá, almoço e janta) voltam a ser respeitados; Vânia e Astrov continuam com suas desesperanças; a possibilidade de suicídio de Vânia deixa de existir quando este entrega a ampola de morfina que subtraiu da maleta do médico; o conselho de Sonia (a sobrinha) para Vânia (o tio) da necessidade de trabalhar para conseguir suportar tudo. Para Astrov, na comarca só ele e Vânia eram inteligentes, mas foram “tragados pelo pântano da vida pequeno-burguesa que nós desprezamos; com seus valores putrefatos ela envenenou nosso sangue e nos tornamos tão patifes quanto os outros.”.
Assim os atos são apresentados em nível cronológico: Primeiro Ato: cerca de 15h; Segundo Ato: 24h20min; Terceiro Ato: dia; setembro; Quarto Ato: noite; outubro. Tio Vânia é peça escrita depois de A gaivota (1896) e antes de As três irmãs (1900) e O jardim das cerejeiras (1903).
Personagens de Tio Vânia
1. Aleksander Vladimirovitch Serebriakov – professor universitário aposentado; filho de um escrivão; ex-seminarista; genro de um senador; catedrático; há 25 anos escreve e palestra sobre arte sem entender absolutamente nada, segundo tio Vânia; “mastiga ideias alheias sobre realismo, naturalismo e outras baboseiras”; vaidoso e um semideus pelo seu caminhar, segundo Voinitskii; casado com a jovem e bela Ielena Andréievna;
2. Besouro – cachorro do guarda matraqueador;
3. Criado
4. Grigori Ilitch – irmão de Teleguin; apenas citado na peça;
5. Iefim – guarda matraqueador;
6. Ielena Andréievna (Lenotchka; Hélène) – mulher de Aleksander Vladimirovitch Serebriakov, 27 anos; belíssima e inteligente; detesta o marido, mas é fiel ao professor; nasceu em Petersburgo; estudou no conservatório; sentiu-se um pouco apaixonada por Astrov; leva cantada de Vânia;
7. Ilia Ilitch Teleguin – fazendeiro arruinado; sua esposa foge com o amante logo após o casamento; ele entregou sua fortuna para a educação dos filhos dela com o amante, pois este morreu; sua beleza murchou; o que restou para ela?, indaga Teleguin; Teleguin sempre a amou; marcas de varíola no rosto; apelido: Bexiga; padrinho de Sonia;
8. Ivan Petrovitch Voinitskii (tio Vânia; Jean) – filho de Maria Vasilievna Voinitskaia; 47 anos; segundo ele, perdeu a vida por não vê-la; odeia Aleksander Serebriakov; procura matar Serebriakov, mas erra os dois tiros que dá no professor; no fim, ambos se perdoam;
9. Konstantin Trofimovitch Lakedemonov – irmão da esposa do irmão de Teleguin; magistrado; apenas citado na peça;
10. Maria Vasilievna Voinitskaia – viúva de um conselheiro de Estado; mãe da primeira mulher de Aleksander Serebriakov;
11. Marina – velha babá; “velha simples e gasta”; de movimentos lentos;
12. Mikhail Lvovitch Astrov – médico; segundo ele, a vida é “enfadonha, idiota e suja”; está cercado de excêntricos e estranhos; julga-se também excêntrico, mas não tonto; não ama ninguém; deseja bem só a velha babá; se diz um dos personagens de Ostrovski, com “longos bigodes e ideias curtas”; segundo ele, as florestas dão beleza à terra, ensinam o que é belo e elevam o espírito; bonito; interessante; atraente; apaixonado por Ielena Andréievna; não ama Sonia;
13. Moleca – cachorro do guarda matraqueador;
14. Pavel Aleksêievitch – apenas citado; escreve artigos e envia estes para Maria Vasilievna;
15. Sofia Aleksandrovna (Sonia; Sonietcka; Sophie) – filha do primeiro casamento de Serebriakov; feia; boa; pura; inteligente; apaixonada pelo médico Astrov; fica só;
16. Vera Petrovna – mãe de Sonia; já falecida; bela e meiga.