Смерть Ивана Ильича (Лев Николаевич Толстой)
A morte de Ivan Ilitch (Liev Nikoláievitch Tolstói)
1. A morte para Tolstói. A morte de Ivan Ilitch (em russo, Smiert Ivana Ilhitchá) é novela datada entre 1884 e 1886, portanto, no contexto de outras obras-primas de Tolstói (1828-1910) como Guerra e paz (1869), Anna Kariênina (1877), Sonata a Kreutzer (1889) e Ressurreição (1899). Liev Tolstói tem, assim como em Anna Kariênina, a ideia de, na vida, o personagem viver sua morte sem a perspectiva crítica daquilo que realmente vive até seu final derradeiro. Se Anna Kariênina experimenta toda sorte de tormentos por se desviar do rumo a que está submetida e por se aventurar com o príncipe Vronski, Ivan Ilitch só encontra o sentido daquilo que viveu a partir da vida que vê naqueles que estacionam na vida medíocre. Segundo Tolstói, “A morte é a passagem de uma consciência a outra, de uma imagem de mundo a outra. É como se você passasse de uma cena e seu cenário a outros. No instante da passagem, fica evidente, ou pelo menos se sente, a realidade mais presente.”. Esta obsessão pela morte se verifica ao menos em enredos como Três mortes, Polikuchka, Guerra e paz, Anna Kariênina e, de forma concisa e magistral, A morte de Ivan Ilitch.
2. O título.
O título da novela é perspicaz, se
desmembrado da seguinte maneira: a morte
enquanto dicotomia com a vida, portanto, a aparência e a essência. Esta reflexão
se torna crescente no enredo, a partir das perspectivas materiais e
burocráticas de Ivan Ilitch e de seus pares, seja a família ou seus colegas de
repartição judiciária. Ivan é a
russificação de João, aquele que “tem a graça de Deus”. Ill, do inglês, significa “enfermo” e, finalmente, itch, “desgosto” e patronímico
“filho de Iliá”, portanto, Elias, ou, ainda, “Jeová é Deus”. Simplificando: Ivan
Ilitch é o escolhido por Deus para compreender a má vida que viveu a partir do
egocentrismo, da hipocrisia, do parasitismo e da falsidade. Uma vida enferma e
repleta de desgosto afinal entendida no momento inexorável da morte. Uma vida
vazia e sem identidade, a de um homem a mais na estrutura familiar e na vida
burocrática. A morte da alma de Ivan Ilitch é a marca de que viveu, em vida, a
morte. Em dualismo, em sua vida mortal, quando vê a luz, não vê a morte, mas a
piedade que tem daqueles que ficam com a vida mesquinha.
3. Os temas.
Três temas estão interligados. A vida
requisitada pela sociedade, dita decente, a vida repleta de equívocos que se
desfaz com a morte (a luz) de Ivan Ilitch e, finalmente, a vida boa e natural
do criado Guerássim, aquele personagem que ajuda Ivan Ilitch e responde a este quando
indagado do porquê ajudar o enfermo sem reclamações e de modo humano. Resposta
de Guerássim: “Todos nós vamos morrer. Por que então não me esforçar um pouco?”.
Esta resposta em sua simplicidade lembra a dada por um mujique a Liêvin
(“alter-ego” de Tolstói em Anna
Kariênina) quando perguntado por este sobre a existência de Deus: “Existe
porque existe.”.
4. Uma
reflexão inoportuna. As etapas da
morte são trabalhadas pelo autor, mas o que se destaca é a banalidade de
comportamento da ordem das coisas no mundo da doença: o diagnóstico médico
variado, a doença em seu crescente mortal e, finalmente, a ansiedade dos
saudáveis para que o moribundo, de vez, desocupe o lugar que ocupa, pois o
término é inevitável.
5. A exclusão
social. Como não se delega aos outros
o dom de morrer, a morte de Ivan, para os demais personagens, incluindo os
médicos, é algo realmente seu, de Ivan Ilitch. Desta maneira, a
exclusão social se dá tanto fora de casa (no consultório médico e na
repartição) como em sua própria família, isolado num quarto. O empecilho que
passa a ser tem nome e função: Ivan Ilitch e sua doença que atrapalha a vida
social da esposa e da filha e que também abre perspectivas novas com a iminente
morte. Não há mais sentido, não há mais significado social para ninguém a morte
que aparece estampada na face daquele que, algum dia, também foi pedante e frio
em suas atitudes de magistrado do Foro Criminal. A ansiedade daqueles que nada
têm com a doença alheia é notória no decorrer do enredo. Os médicos estão, por
exemplo, preocupados com o rim e o ceco e não com o indivíduo em si, assim
como, outrora, o magistrado Ivan Ilitch se interessava apenas pelo caso jurídico e não com a pessoa envolvida nele.
6. Uma trajetória
inesperada? A trajetória de Ivan
Ilitch é a vida tipificada de cada um que se aventura a ter segurança e
decência sociais. O equilíbrio de uma vida acertada com atitudes e gestos
calculados para que se possa atingir a ascensão de seus propósitos é similar à
decadência meteórica graças à doença que inicia com a queda sofrida ao cair de
uma escadinha ao mostrar algo para o forrador de paredes. A metáfora da queda de Ivan Ilitch é,
ao se preocupar com a aparência de seu apartamento para a família, o princípio
da queda de uma vida concreta e bem alicerçada. O surgimento da equimose, o
gosto amargo na boca, o mau humor, a dor no lado esquerdo do estômago, o
diagnóstico, o rim, o ceco e, impreterivelmente, os médicos com seus diversos
diagnósticos e as tentativas de Ivan Ilitch com especialistas, com homeopatas,
com misticismos são a brevidade racional imposta pelo fim próximo. Tolstói dá, no
início da novela, a notícia da morte de Ivan Ilitch em matéria de jornal. Os
colegas comentam a partida do magistrado, pensam clandestinamente na vaga
aberta ocasionada pelo óbito e na real possibilidade de promoção. Em seguida,
Piotr Ivânovitch, o mais chegado a Ivan Ilitch, se vê na obrigatoriedade do
velório e da conversa com a viúva Prascóvia, enquanto os demais colegas partem
para o jogo de cartas, sinônimo de vida. A viúva encena conversa com Piotr Ivânovitch
para saber se tem direito a algo (a mais) dado pelo Governo. Longe do cadáver e
dos cheiros desagradáveis do momento, Piotr Ivânovitch retorna à vida decente.
7. Uma
história de vida e não de morte. A morte de Ivan Ilitch é uma novela da vida de Ivan Ilitch, com seus
mascaramentos, friezas, burocracia e falta de ambição para sair da
trivialidade. O mecanicismo social e familiar engessam o magistrado, e, sua
alma, frente a sua morte, deixa o ódio por aqueles que o julgam um fardo e
passa a compreender aqueles que ficam em uma vida padronizada. O morto com pena
dos vivos e não com inveja dos vivos. Tolstói inverte a compaixão e a conceitua
diferentemente dos que estão vivos e presos num sistema: a compaixão de Ivan
Ilitch é lamentar, na ocasião de sua partida, o seu filho adolescente Vassíli num mundo que
sustenta o homem material. A espiritualidade tolstoiana fica com Ivan Ilitch,
quando este nasce para uma nova vida, e para o leitor, quando este necessitar da (re)leitura desta que é considerada uma das mais fabulosas novelas
da literatura universal.
8. O mais
viável é, logo, desocupar o lugar. “Não
se poderia dizer como foi que isto aconteceu no terceiro mês da doença de Ivan
Ilitch, porque isto acontecia passa a passo, imperceptivelmente, mas aconteceu
que a mulher, a filha, o filho, os criados, os conhecidos, os médicos, e
sobretudo ele mesmo, souberam que todo o interesse que ele apresentava para os
demais consistia unicamente em indagar se não demoraria muito a desocupar
finalmente o seu lugar, a livrar os vivos da opressão causada pela sua
presença, e a livrar-se ele mesmo dos seus sofrimentos.” (em tradução de Boris
Schnaiderman, Boa Leitura Editora S.A. / S.P.).
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