terça-feira, 23 de setembro de 2014

Os sete enforcados - Leonid N. Andreiév


Leonid Nikoláievitch Andreiév
Леонид Николаевич Андреев

Os sete enforcados (1908)
(Rasskáz o semí povéshennikh) 


Leonid Nikoláievitch Andreiév. 

Nasce em Orel, na Rússia Central, no dia 21 de setembro de 1871. Sua família, embora de ascendência burguesa, enfrenta a miséria, principalmente quando da morte precoce de seu pai. A mãe é de origem polonesa. Andreiév cursa a faculdade de Direito e, por fim, defendendo apenas uma causa enquanto profissional, desiste da profissão. Investe na pintura e chega a vender algumas de suas telas, mas não passa de amadorismo. Sua vocação é, de fato, a literatura. Então, começa a investir na arte literária. Tenta o suicídio por três vezes. Torna-se repórter policial no jornal Kurier. Recebe apadrinhamento literário de Vladímir Korolenko e de Máximo Górki. Sua primeira novela, datada de 1898, Bargamat e Garaska, faz enorme sucesso por causa de sua comoção. Garaska é personagem que chora ao ser tratado bem durante jantar em casa alheia. No início do século XX, Andreiév surpreende ao vender mais de duzentos mil exemplares de sua coletânea de contos. Seu nome começa a circular, não somente na Rússia, como no exterior. Aproxima-se dos poetas simbolistas russos e dos socialistas de Górki. Entretanto, sua carreira entra em declínio no início do século XX, pelos idos de 1913, quando torna-se um panfletário nacionalista. Em 1917, antes de Revolução, torna-se deputado. Com a Revolução de 1917, deixa a Rússia exilando-se na Finlândia. Neste período, escreve panfletos contra o comunismo. Em 1919 tem um ataque cardíaco e morre, em plena miséria, não muito diferente de quando nasceu. 


Literatura russa e Leonid Nikoláievitch Andreiév. 

Nomes como Máximo Górki, Vladímir Korolenko, Anton Tchékhov, Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói e Mikháil Artsibáshchev, por motivos diversos, associam-se ao nome de Leonid Andreiév. Este reconhece ser discípulo do autor de O músico cego, assim como recebe influências de Tchékhov e Górki, seus mestres. Andreiév admira o conde Tolstói, principalmente as novelas A sonata a Kreutzer e A morte de Ivan Ilitch. Este último trabalho de Tolstói deixa forte impressão em Leonid Andreiév. Os textos andreievianos procuram, segundo a crítica, assustar o público, através de um realismo chocante e intolerável. O próprio Tolstói comenta algo sobre os textos de Andreiév nesta ordem: “Andreiév quer me assustar; mas eu não me assusto.”. Alguns críticos, principalmente no exterior, aproximam alguns textos de Andreiév do estilo nervoso e frenético de Dostoiévski, além da psicopatologia dos personagens do autor de Os irmãos Karamázov. Entretanto, outros críticos alertam que, diferentemente de Dostoiévski, Andreiév não tem fé alguma em coisa alguma, ou seja, seu anarquismo e niilismo o afastam de uma crença possível de ser consolidada em seus trabalhos. 


Leonid Andreiév procura neutralizar, também, os heróis sociais de Górki, pois os personagens andreievianos do submundo cometem atrocidades dignas do mais terrível e indecente tirano criminal. Em seu texto datado de 1912, No nevoeiro, um rapaz com intensos impulsos sexuais incontroláveis assassina uma prostituta e, em seguida, comete o suicídio. Já em Abismo, um bando de vagabundos assalta um casal de namorados. Resultado: espancam atrozmente o rapaz, estupram a moça e, por fim, a matam. Se os textos de Leonid Andreiév não assustaram Liev Tolstói, certamente aterrorizaram boa parte do público leitor do autor de Os sete enforcados. Mikháil Pietróvitch Artsibáshchev (1878-1927) recebe influência de Leonid Andreiév. 



O tema do terrorismo. 

O tema do terrorismo, embora mais conhecido na novela Os sete enforcados, também é trabalhado em Trevas e O governador. No primeiro trabalho, um terrorista termina por se esconder num bordel; no segundo, depois de um governador mandar suas tropas investirem contra trabalhadores, terroristas preparam um atentado contra a autoridade. Esta sabe que seu fim é inevitável. O início de Os sete enforcados explora exatamente este ponto, ou seja, um ministro é informado por sua segurança que, no dia seguinte, terroristas pretendem assassiná-lo na entrada de sua residência. Depois de ficar sabendo, o ministro é transferido para casa alheia e, entre confabulações pessoais do que vem a ser o aviso de antemão da morte premeditada, passa mal e precisa de auxílio médico. Curiosamente, o ministro não retorna no decorrer da narrativa, sendo apenas o motivo do julgamento, da sentença e das reflexões sobre a morte e a vida por parte dos cinco revolucionários. Com a prisão dos cinco terroristas (três homens e duas mulheres), estes são condenados à forca junto com dois outros condenados comuns, somando, então, sete enforcados no final da narrativa. O texto é datado de 1908, período de tempos de revolução e, por extensão, de repressão, como salienta impiedosamente a novela Os sete enforcados. Desta maneira, Leonid Andreiév busca temas originais e explora os problemas psicológicos de seus protagonistas, além do incontestável meio social em que estes estão inseridos, pois a apelação para que os jovens vivam é inócua. Para isso, o autor utiliza da precisão linguística e do vigor dos vocábulos que deixam o leitor sufocado pelas imagens aterrorizantes. As depressões nervosas dos personagens, assim como os tormentos da alma associados às divagações, delírios, sonhos e fantasias aliadas ao metafísico, sufocam cada um dos condenados de maneira diferente, embora a linha mestra de raciocínio de Andreiév seja a transformação e o modo de cada um ver, véspera da morte, o próprio fim e como analisa a vida pela última e derradeira vez. 



Os sete enforcados. 

Em Os sete enforcados, a discussão ultrapassa o ato em si do atentado em sua intenção. Ao unir cinco revolucionários e dois presos comuns, Andreiév ressalta as penas dadas para crimes diferentes: terrorismo (Mússia, Vassíli, Tânia, Werner, Sierguéi), assassinato, roubo e tentativa de estupro (Iânson) e, finalmente, crimes diversos (Tziganók). A individualidade do pensar de cada um dos condenados é algo impressionante, pois a angústia e o terror diversificam-se conforme seus medos e reflexões. Iânson repete insistentemente, em sua incapacidade de compreender seu delito, que não deseja morrer. Sua ladainha é permanente, calcificando sua ideia de injustiça e de responsabilidade que ainda crê ter pela vida. Tziganók (o ciganinho) vangloria-se de suas façanhas um tanto misteriosas e assustadoras, mas, no final, no caminho da condenação, lamenta sua solidão, sendo “salvo” por Mússia que o acompanha. Os mútuos beijos entre Mússia e Tziganók denunciam o humanismo destes corações tão distintos. Tânia Kovalhtchúk, a materna companheira do grupo, embora reclame inicialmente sua solidão para o patíbulo, pois iria com Mússia, compreende a intenção salvacionista desta para com Tziganók. Sua preocupação com seus companheiros ratifica suas atitudes no atentado: em sua casa tudo é planejado (como uma dona da casa), além de, quando cercada, atira com arma contra policial acertando-o na cabeça. Sierguéi Golovin tem encontro constrangedor e emocionado com seus pais, em especial, o velho pai coronel reformado. Sierguéi não pensa na morte, mas nas coisas boas da vida. Faz dezoito exercícios pelo método Müller em sua cela, para manter a forma. Com o tempo, deixa de fazer a ginástica para ajudar seu corpo com a própria morte. Por fim, acrescenta o décimo nono exercício: pescoço esticado, ou seja, enforcamento. Werner, considerado pelos juízes o líder do grupo, procura manter a frieza do acontecimento e o controle sobre os demais companheiros e suas ações. Por fim, vê a vida como bela. Vassíli vê, no momento de seu terror frente à morte, um mundo mecânico e repleto de bonecos autômatos. Do brincar com a morte até o terror frente a esta, Vassíli é homem que não tem fé para suportar seus últimos instantes. 


Cada prisioneiro é analisado por Leonid Andreiév. Em cada cela, a angústia e o terror instalam-se nas paredes que fantasmagorizam a morte iminente e inexorável. Esta é humana, inapelável, cruel e inexorável, apesar da esperança em cada um dos condenados, esperança que morre também, pois conforme a sentença aproxima-se, cada um dos sentenciados, lado a lado, serenamente, percebe o fim absoluto de suas vidas. Ninguém escapa da análise de Andreiév, desde o ministro, com sua montanha de carne intumescida nas molas da cama de um quarto alheio, até as definições de morte que permeia o texto: a morte postada em algum canto não querendo ir embora, como sentinela obediente, o enforcamento contorcendo os rostos com os olhos saindo das órbitas, até a morte definitiva que faz com que os corpos dos sete enforcados serenem eternamente em seus caixões sobre a floresta fria, negra e solitária. A execução de cada um não precisa ser detalhada por Leonid Andreiév, pois o necessário é o caminho para a morte. O impacto, através de um baque na narrativa, dá-se com a rapidez sugerida da execução, pois a narrativa acelera o fim de cada um dos sentenciados ao mostrar, apenas, que são colocados em caixões pelos guardas. 



Sete enforcados e um ministro condenado. 
Crimes diferentes para uma mesma punição. 

Sierguéi Golovin não pensa na morte, mas, quando da sentença, tem medo da morte. Para distrair-se, faz ginástica pelo método do alemão Müller. Completa a série dos dezoito exercícios ao acrescentar o décimo nono: pescoço esticado. Em sua despedida, beija o pai e a mãe. O contraste familiar dá-se com as ausências de família e parentes de Werner e de Mússia, além da desestruturada família de Vassíli Kachírin. Outra comparação viável é o amor da mãe de Sierguéi pelo filho e o desamor dos pais e do próprio Vassíli, pois tanto mãe e filho são incapazes do amor. O amor maternal por seus companheiros é verificado na figura de Tânia Kovalhtchúk. 


Vassíli Kachírin é tomado de terror e angústia quando da véspera da execução. Corre pela cela e procura rezar, mas não tem fé, além de vergonha do guarda. Para ele, o mundo, em seu último pensamento, é composto por fantasmas e bonecos mecânicos. Repete a seguinte frase: “Pegam, agarram, levam, enforcam e puxam pelas pernas. Cortam a corda, depositam no chão, conduzem e enterram.”. Ao ser retirado de sua cela, tem atitude infantil, pois diz “Não faço mais!", retrocedendo até a parede. Por fim, volta-lhe a razão: pede um cigarro ao guarda. 


Tânia Kovalhtchúk sofre maternalmente por seus companheiros. Sua preocupação é como estarão eles recebendo, cada um em sua cela, o chamado da Morte? É em sua casa que tudo é planejado em nível do atentado. Sendo a última a ser presa, em sua casa, recebe a polícia a tiros. Acerta a cabeça de um guarda. Defende, maternalmente, o grupo e sua casa, enquanto a dona desta. 


Mússia está feliz, apesar da prisão e da condenação, pois pessoas devem estar sofrendo por ela. Considera, entretanto, que não é mártir. Lamenta seu fracasso profissional. Solidariamente, resolve seguir e beijar o assassino (não terrorista) Mikhaíl Golubiétz, pois este não deseja ir sozinho para o patíbulo. 


Ivan Iânson é criminoso comum. Não é terrorista, pois esfaqueou o patrão levando-o à morte. Indaga por que irão enfocá-lo? Não quer ser enforcado e repete isso a todo o momento. Emagrece, não dorme e não come. Corre pela cela. A noite, o silêncio e a escuridão têm o significado da Morte para ele. 


Mikháil Golubiétz, o Tziganók, tem muitas mortes no currículo e assume o que fez. Tem sonhos horríveis e pesados. Em sua cela, selvagemente, fica de quatro e uiva como um lobo. Deseja sempre a liberdade através da fuga. É convidado a ser carrasco contratado pelo sistema, mas como demora a responder, contratam outro. Simbolicamente, não se torna um assassino legitimado pelo Estado. 


Ministro sofre as consequências de não ter sido vítima do atentado terrorista, pois não consegue dormir no quarto a ele destinado em casa alheia, sente-se “preso” neste quarto, o ambiente escuro o atormenta, tem medo da morte, enfim, termina condenado pela perspectiva da morte e de seu estado de saúde, pois passa mal. 



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