sábado, 12 de outubro de 2013

Os demônios - F. M. Dostoiévski

OS   DEMÔNIOS (1871)

(BIÊSSI /Бесы)



Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski


  Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski acompanha intensamente, em Genebra, a atividade política de Mikhail Aleksandróvitch Bakúnin (1814-1876) a partir da integração entre imigrantes revolucionários russos. Nietcháiev é o escolhido para representar, na Rússia, o pensamento de Bakúnin, com direito à documentação em seu nome assinado por Bakúnin para representá-lo em seus interesses políticos num Comitê Geral. Usando deste poder, Nietcháiev abusa de suas atribuições, terminando por assassinar o estudante da Academia de Agricultura Ivanov, por este discordar e não querer mais fazer parte dos quintetos e da organização revolucionária clandestina. Spítkin, irmão de Anna Grigórievna Dostoiévskaia, segunda esposa de Dostoiévski e que fora sua estenógrafa, também fazia parte da organização revolucionária. Está instalada, então, a Justiça Sumária do Povo. A partir destes pressupostos e do assassinato de Ivanov em 21 de novembro de 1869, Dostoiévski deseja dar uma resposta aos revolucionários russos. Em carta a Máikov, datada de 24 de fevereiro de 1870, Dostoiévski afirma, impressionado pela morte do estudante Ivanov, estar elaborando uma história mais próxima da realidade do que a construída em Crime e castigo, que muito promete, pois causará um grande efeito no público leitor.

  Dostoiévski interrompe projetos que vem desenvolvendo (uma novela, sobre o capitão Kartúzov; outra, A morte do poeta; e os romances O príncipe e o agiota, Inveja e A vida de um grande pecador) para iniciar freneticamente o texto que, atualmente, lemos com ardor e paixão, pois se as questões políticas e filosóficas de seus personagens aparentemente pouca aproximação podem ter com nossa atualidade, ao enfrentarmos o texto e o subtexto de Os demônios ficamos perplexos por, ao menos, dois motivos estarrecedores: a sociedade em que vivemos se articula de maneira não tão distante daqueles tempos anárquicos e revolucionários (se observarmos a paralisia e o frenético paradoxais de conceitos), como também empresta a nossa imaginação os conluios sociais para denegrir ou enaltecer indivíduos capazes de investir na engrenagem pessoal e coletiva em busca de um proveito próprio.

  Ao iniciarmos a leitura deste romance, que aparece depois das grandiosas obras Memórias do subsolo (1864), Crime e castigo (1866) e O idiota (1868), percebemos a habilidade de Dostoiévski ao manipular conceitos, personagens e ideologia num avanço nervoso e desigual na literatura do século XIX.

  As primeiras anotações deste trabalho são encontradas em 1870, em 16 de fevereiro, em seu caderno de notas com um plano detalhado sobre Os demônios já com a maioria dos personagens confeccionados assim como diversos elementos de seu argumento. Em janeiro de 1871, sai Os demônios, em suas Partes I e II, no Mensageiro Russo (Rússkii Viéstnik) nos números I, II, IV, VII, IX, X e XI. A publicação é interrompida em novembro. O motivo da paralisação dá-se por um capítulo escrito e não aprovado pelo redator-chefe do Mensageiro Russo, Mikhail Katkóv. Este capítulo, conhecido como “A confissão de Stavróguin”, termina por sair em separado e em fragmentos no ano de 1905 e, em 1922, completo, apesar das várias modificações propostas por Dostoiévski e graças à preservação dos manuscritos por Anna Grigórievna Dostoiévskaia. Há especulações e dúvidas dos reais motivos da não publicação deste capítulo: a insuportável cena realista do envolvimento covarde de Stavróguin com Matriócha – menina com 14 anos, embora Katkóv não se opôs à cena cruel entre Svidrigáilov e uma menininha em Crime e castigo;a amizade (e inimizade) de Katkóv com Bakúnin, o protótipo de Stavróguin; a repetição da violação de uma menina já encontrada em outros títulos de Dostoiévski, etc. Quando, em 1873, Dostoiévski publica por sua própria conta Os demônios, também não inclui este capítulo basicamente dialogal entre Nikolai Stavróguin e o ex-bispo Tíkhon, reforçando, quem sabe?, a ideia da não repetição da violação infantil. Para Dostoiévski, o sofrimento de uma criança não é justificável, nem tampouco, perdoável seu violador. Finalmente, sai, em 1872, em novembro/dezembro, a Terceira parte no Mensageiro Russo (XI e XII).


  O enredo de Os demônios fixa a ambientação numa província da Rússia. Nesta localidade, há nova governança com a chegada de Andriêi Antónovitch von Lembke e sua esposa Yúlia Mikháilovna em substituição a Ivan Óssipovitch, então parente de Varvara Pietrovna. Desta maneira, Dostoiévski tece, através de seu narrador Anton, comentários da vida social desta província, com suas fofocas, estranhamentos, maledicências e violência das mais variadas: assassinato, suicídio, loucura, deformação física, histeria e epilepsia. A pequenez tanto social como física da cidade é apresentada assim: “As calçadas da nossa cidade são estreitinhas, de tijolo, e assim também as pontes.”. Complementam o cenário da cidade e de suas adjacências o seguinte: o clube, a fazenda dos Stavróguin (Skvoriéchniki), o parque com sua gruta, seus três tanques e o pinheiral de Skvoriéchniki, a fábrica dos Chpigúlin, a localidade de Zariétchie (e seu incêndio), a Estrada real que passa por Skvoriéchniki a meia versta (“Na estrada real está a ideia…”; “A estrada real é algo longo, longo, do qual não se vê o fim, como se fosse a vida de um homem, como se fosse o sonho de um homem.”), as aldeias de Khátovo, de Spássov e de Ústievo. Moscou e Petersburgo são também mencionadas pelas relações que lá possuem alguns personagens (Varvara; Stiepan; Nikolai; Piotr; Lebiádkin, etc.).











A SOCIEDADE SECRETA

  A Sociedade tem ligação à Internationale. Na Rússia, é representada por Piotr Vierkhoviénski, Chátov, Kiríllov, Lebiádkin, Nikolai Stavróguin, entre outros. Cada um tem participação distinta, assim como todos devem controlar a todos, partindo do pressuposto que possam ser, todos, espiões destinados a denunciar os membros da Sociedade. Chátov ingressa, por exemplo, na Sociedade no exterior e é encarregado de uma tipografia que deverá ser entregue (papéis e o linotipo) a alguém que se apresentar como da Sociedade tempos depois. Para Chátov, ele rompe com os idiotas da Sociedade, pois é de seu direito, além de crer que a tipografia é a última exigência da Sociedade, que o liberará depois. A Sociedade não pensa desta forma e não tem a intenção de deixar Chátov ir embora. Segundo Stavróguin, a participação dele se resume da seguinte maneira: reorganizou a Sociedade segundo o novo plano desta. Assim, Nikolai não se julga seu membro, tendo, assim como Chátov (mas com direitos diferentes), o direito de deixá-la. Entretanto, a Sociedade não vê desta forma o caso de Nikolai, pois está condenado como Chátov. Para a Sociedade, tudo é pena de morte e ordens no papel, carimbadas e assinadas por três membros e meio. A organização russa, no caso, é obscura “e quase sempre tão inesperada que aqui realmente se pode experimentar tudo.”. Para a Sociedade, Chátov é um espião e, por saber demais sobre ela, pode denunciá-la amanhã ou depois.

  O problema é, entretanto, que a maioria destas ideias da Sociedade são protocoladas com a liderança de Piotr Vierkhoviénski, protagonista que induz, conduz e confunde os demais membros da Sociedade com suas omissões, suas mentiras e encaminhamentos do destino dos membros de seu quinteto, embora dependente de Stavróguin. Havendo um comitê central, Piotr Vierkhoviénski é o representante deste comitê na província e, dele, o programa de ação deve ser aplicado: denúncias sistemáticas para desacreditar o poder local (no caso, a excessiva aproximação de Piotr em casa do governador da província Lembke e, principalmente, com a esposa deste Yúlia Mikháilovna), geral perplexidade nos povoados (exemplo ratificado com o baile promovido por Yúlia), engendrar o cinismo e o escândalo (exemplo da fuga de Lizavieta com Nikolai), total descrença no que quer que exista (discurso do professor substituto de Stiepan no baile de Yúlia, personagem inspirado no professor de história da Rússia, na Universidade de São Petersburgo, Platon Vassílievitch Pávlov) e lançar mão de incêndios como meio predominantemente popular (os operários da fábrica dos Chpigúlin e o incêndio em Zariétchie). Em determinado momento do enredo, Piotr acusa o quinteto subordinado a sua pessoa de insubordinação. Alerta que o quinteto será preso, pois já é conhecido também o segredo da rede. Houve delação de Chátov, mente, embora crê que Chátov fará a denúncia mais cedo ou mais tarde. Apresenta, então, seu plano: atrair Chátov ao local aonde está enterrado o linotipo secreto (máquina de compor textos em blocos de linha) e lá decidir tudo: matá-lo. Os revolucionários sabem que “caíram como moscas numa teia de aranha”, pois Piotr está fora dos trilhos.

  A resposta de Dostoiévski é rápida aos niilistas, aos revolucionários e aos socialistas: “o ateísmo e o socialismo são estranhos ao povo russo e até incompatíveis com sua natureza”. Segundo Dostoiévski, uma sociedade sem Deus apoiada unicamente na ciência e na razão não estabelece relações sólidas, pois é inútil. A dicotomia torna-se presente e cresce em sua ideia central: os conceitos políticos, ideológicos e religiosos de Piotr Vierkhoviénski são rechaçados pela ideia russa de Chátov, enriquecida pela universalidade de Tíkhon. Se Piotr “vence” Chátov, o mesmo não acontece com Stavróguin, o ocidentalista e niilista rico e inteligente, “derrotado” por Tíkhon, o ex-bispo profético: Stavróguin enforca-se, destruindo as suas manifestações extremas da paixão e do prazer que o tornaram vazio interiormente. Ao perder seu equilíbrio interior desempenhado ao longo do enredo de Os demônios, Stavróguin sai de cena para não se denunciar através de sua confissão da “vida de um grande pecador”. Está morto o ocidentalismo em relação à ortodoxia russa. O diálogo entre Tíkhon e Stavróguin antecipa as discussões religiosas e filosóficas entre Ivan e Aliocha em Os irmãos Karamázov, assim como o enforcamento de Stavróguin corresponde ao tiro dado por Svidrigáilov em si mesmo, pois não há perdão para quem causa sofrimento nas crianças.






2 comentários:

  1. Muito legal a tu exposição sobre Os Demônios, só "invoquei" com esta frase: "Segundo Dostoiévski, uma sociedade sem Deus apoiada unicamente na ciência e na razão não estabelece relações sólidas, pois é inútil."
    Eu não escreveria "segundo", se buscasse uma certa neutralidade escreveria "para Dostoiéviski". Acho que o justo com o autor seria o seguinte: "Dostoivéski anteviu que uma sociedade sem Deus apoiada unicamente na ciência e na razão não estabelece relações sólidas, pois é inútil." O século XX e XXI comprovaram e comprovam essa idéia. Não tenho URL nem outras coisas. Meu nome é Franklin Anagnostopoulos.

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  2. "Uma sociedade sem Deus, apoiada unicamente na ciência e na razão não estabelece relações sólidas, pois é inútil." Acho que é "segundo Dostoievski" mesmo. Dizer que ele anteviu é dar como verdade esta ideia, é emitir uma opinião que é do autor do comentário e não uma verdade de todos.

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