segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A gaivota - Antón P. Tchékhov

A gaivota
(Чайка / Tchaika)

Antón Pávilovitch Tchékhov
А н т о́н    П а́в л о в и ч    Ч е́х о в


 


  A gaivota é considerado o primeiro triunfo do Teatro de Arte de Moscou. No dia 29 de dezembro de 1898, sua apresentação é reconhecida como sucesso pelo público. Este aplaude com entusiasmo. Dois anos antes, esta mesma peça fracassa em São Petersburgo. É, então, o dia 20 de outubro, e a incompreensão do que está ocorrendo no palco é significativa, tanto em nível do diretor e dos atores (estes não estão à vontade em seus papéis), quanto do público e da crítica. Na ocasião, os críticos não poupam palavras fortes contra o intuito tchékhoviano.

  Antón Tchékhov fica decepcionado com o ocorrido e com os comentários sobre A gaivota e decide não mais escrever obras de teatro nem tampouco deixar as peças que já escreveu serem representadas. Mas Tchékhov tem um amigo, dos tempos de Ialta, que procura demovê-lo desta ideia. Vladímir Niemiróvitch-Dântchenko, autor dramático e diretor junto com o ator e diretor Konstantin Stanislávski, escreve em duas oportunidades para Tchékhov, mas somente na segunda tentativa é que convence o dramaturgo a deixá-lo representar A gaivota. Deste modo, Niemiróvitch-Dântchenko encarrega seu colaborador, Stanislávski, a montar A gaivota, embora este tema por um novo fracasso de Tchékhov no palco. Neste período, a tuberculose de Antón avança.

  Ocorre, então, o primeiro êxito teatral do autor de Enfermaria nº 6, escritor já conhecido na Rússia por seu contos e por algumas novelas, mesclados pelo humorismo e pelo sentimental. Aos poucos, une-se o grande contista e o grande dramaturgo na literatura russa, pois a análise e a crítica tchékhovianas mostram as condições de vida do homem e o que rodeia estes em suas obrigações, suas aflições e buscas de suas liberdades.

  A gaivota é texto que prioriza a banalidade da vida dos personagens. A dimensão dada por cada um daqueles que convivem com a família de Sórin e de Arkádina não chega a ultrapassar o medíocre que tece todo um colapso de desentendimentos, seja pelas questões que envolvem o profissionalismo do teatro, seja ele ultrapassado ou que busque novas formas de apresentação, seja pelos íntimos envolvimentos entre protagonistas que, entre sussurros e caprichos, vivem toda a sorte de humilhação (Arkádina por Trigórin), de idealização (Nina por Trigórin), de indignação (Trepliov por Macha), de oferta (Polina por Dorn), de sujeição (Trepliov por Nina) ou, até, de desinteresse a este mesmo sentimento (Macha por Miedviediênko).

  A ciranda do amor alterna-se conforme a necessidade do egoísmo de cada envolvido, diagnosticando o vazio de um amor entre pessoas que não se correspondem em perspectivas similares. Afinal, se toda peça de teatro deve ter o sentimento do amor, conforme aponta a personagem Nina, Antón Tchékhov não deixa por menos o tratamento deste tema e de suas consequências. Impactante é o amar sem ser amado, noticiando a engrenagem alimentada pela prostração deste sentimento, assim como a ruína quando, eventualmente, concretiza-se (Nina e Trigórin e Macha e Miedviediênko). A incapacidade de ser amado não só diminui a integridade psicológica do submisso, como desmorona, neste, a capacidade de reflexão sobre o que pensam sobre ele mesmo.

  A discussão sobre as perspectivas do que vem a ser o teatro em sua construção e contemporaneidade invade as opiniões dos protagonistas e de seus ataques ora para a defesa de um teatro passadista, ora para um teatro lírico, simbólico e com pretensões de nova arte dramatúrgica. Os personagens, ao longo dos atos, discutem (ou tentam) seus pontos de vistas de forma agressiva, intransigente ou pacífica. O ardor ou a ausência deste nas discussões torna o humor e as expectativas dos envolvidos como um grande rolo compressor descontrolado passando à revelia por uma rua deserta, pois basicamente ninguém escuta (de verdade) o outro em sua opinião.

  A simbologia da gaivota no decorrer da peça é inevitável, pois surge, inicialmente, de uma caça real realizada por Tchékhov e seu amigo e pintor Levitan. Este, após abater uma ave, ferida na asa, pede para que Tchékhov mate a galinhola. O contista diz não conseguir, mas diante da insistência do amigo, termina por liquidar o animal. Esta olhava Tchékhov espantada, lembra o escritor. Assim, mais tarde, dois imbecis, segundo Tchékhov, jantavam, enquanto no mundo havia uma fascinante criatura a menos.

  A gaivota vem a ser a motivadora metáfora três anos depois na peça A gaivota. Nina Zariêtchnaia, Konstantin Trepliov e Boris Trigórin envolvem-se num triângulo amoroso e dramático costurados, também, pela simbologia da gaivota: inicialmente, Nina diz-se uma gaivota, depois, Trepliov deposita aos pés de Nina uma gaivota morta para, em seguida, afirmar que do mesmo modo se matará. Mais tarde, Nina, mais de uma vez, associa-se e assina cartas como A Gaivota; no final do enredo, Iliá entrega a Trigórin a gaivota morta (por Trepliov) empalhada (segundo Iliá, o escritor solicitara a taxidermia do animal) e, finalmente, Trigórin anota para um futuro conto seu o seguinte:

     Estou fazendo anotações... É que me veio uma ideia... (Guarda o caderninho) Uma ideia para um conto curto: uma jovem vive na beira de um lago, desde a infância, como a senhorita; ama o lago, como uma gaivota, e é feliz e livre, como uma gaivota. Mas de repente aparece um homem, ele a avista e, por pura falta do que fazer, ele a destrói, assim como aconteceu a essa gaivota. (em tradução de Rubens Figueiredo; Editora Cosac & Naify).

  Curiosamente, um possível conto citado em sua origem dentro de uma peça de teatro que se torna realidade entre os personagens Nina e Trigórin, ou seja, a realidade próxima demais da arte literária.

  Aspecto oportuno, também na peça, é a disposição de cada um dos personagens frente à expectativa de viver suas vidas sem esperanças, sem conseguir mudá-las, ou simplesmente, compreendê-las como algo inexorável numa comédia (como Tchékhov denomina a peça) de vidas frustradas.


Antón Tchékhov lendo A gaivota para os atores e
diretores do Teatro de Arte de Moscou, em 1898.


Alguns personagens de A gaivota
1. Boris Trigórin – escritor famoso e inteligente; farto da vida; cerca de 40 anos; escreve contos; envolvimento e rompimento com Nina; íntimo de Arkádina;
2. Ievguêni Dorn – médico; 55 anos; saciado da vida; teve caso com Polina; quem vê o corpo de Trepliov depois do suicídio;
3. Iliá Chamraiev – tenente reformado e administrador a serviço de Sórin; marido de Polina; pai de Macha;
4. Irina Arkádina – atriz; mãe de Trepliov; talento inegável; interpretou A dama das camélias e O enlevo da vida; 43 anos; teme a velhice e a morte; íntima de Trigórin; entra em rota de colisão com o filho por causa do teatro do passado e do presente;
5. Konstantin Trepliov – filho de Irina; 25 anos; a peça apresentada na propriedade de Sórin é de sua autoria; apaixonado por Nina; não tem grande consideração pelo teatro; para ele, o teatro contemporâneo é “rotina e superstição”; fracassa em suas intenções de escritor; tem inveja de Trigórin; não suporta o envolvimento de sua mãe com Trigórin; suicida-se no quarto ato;
6. Macha – filha de Iliá e de Polina; julga-se infeliz; 22 anos; costumes: cheirar rapé, beber vodca e vestir-se de preto; ama Trepliov, mas é ignorada por este; no fim, casa com Miedviediênko, tem filho com este, mas despreza o marido;
7. Nina Zariêtchnaia – moça; filha de rico proprietário de terras; representa na peça de Trepliov; apaixonada por Konstantin; é controlada pelo pai; foge de casa; une-se a Trigórin; tem filho com este; é abandonada por Trigórin, mas continua a amá-lo; torna-se atriz de teatros mundanos; é amada por Trepliov;
8. Piotr Sórin – irmão de Irina; aposentado; segundo ele, as mulheres nunca gostaram dele; quis ser escritor e não conseguiu; quis casar e também não conseguiu; 
9. Polina Andréievna – esposa de Iliá Chamraiev; íntima de Dors;
10. Siemion Miedviediênko – professor; vida economicamente difícil; casa com Macha.


Cena do III ato de A gaivota, no Teatro de Arte de Moscou, dirigida por Stanislavski e Niemiróvitch-Dântchenko. Pintor, Símov.


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