terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Minha vida - Antón P. Tchékhov

Minha vida 
Antón Pávlovitch Tchékhov
А н т о́ н    П а́ в л о в и ч    Ч е́ х о в


   Minha vida é texto longo se considerarmos os contos curtos de Antón Tchékhov, assim como Três anos, Duelo, Um drama de caça e A enfermaria nº 6 são também mais extensos. Minha vida não é texto autobiográfico, como dizia o seu próprio autor, embora, certamente, o autor poderia claramente se identificar se assim quisesse ou deixasse o trabalho para a crítica ou para o leitor: Blagovó é médico; a doença de Kleopatra, irmã de Missail, lembra a tuberculose; a esposa de Missail, Maria Víktorovna, constrói uma escola rural; as experiências de Missail com os mujiques e sua aproximação nos bastidores do teatro amador em casa dos  Ajóguin; o despotismo de Aleksandr Pávlovitch, pai de Missail e Kleopatra, e, finalmente, a província criticada lembra Taganrog, cidade natal de Antón Tchékhov. A obra é publicada em 1896.


   Missail pode não saber ao certo o que deseja, mas sabe, desde o início de seu relato o que não deseja. O subtítulo da novela, paradoxalmente chamado de conto (“Conto de um provinciano”), identifica “de saída” a intenção do autor, através de seu narrador em primeira pessoa, de não suportar mais uma cidadezinha russa e sua sociedade diagnosticada de medíocre, hipócrita, tediosa, mentirosa, corrupta, parasitária e vulgar. Embora se reconheça um provinciano, Missail quer sua singularidade, uma vez que recusa seu título de nobre para buscar outra responsabilidade, agora, de cunho metafísico, a partir do trabalho braçal. Para isso, ou seja, para encontrar o sentido que procura sem algum horizonte definido, Missail sabe o que não quer, desde a casa paterna despótica, até o intelectualismo oferecido pela província através de serviços entediantes que fazem com que os de nível fiquem sentados esperando a vida passar. O confronto é, deste modo, inevitável, desde o interno familiar, pois seu pai se recusa a aceitar a diferença do filho em relação à tradição familiar, até as grosserias e poucas simpatias da população. Usando de um último estratagema indecoroso, o pai de Missail, via governador da província, ameaça o próprio filho com a retirada do título de nobreza. Nesta altura do relato, o próprio Missail já abriu mão de sua herança, assim como suas únicas ligações com a nobreza fica em nível do médico Blagovó e da filha do engenheiro, Maria Víktorovna. Apesar das discussões entre estes três personagens sobre progresso, estudo, ciência, trabalho, liberdade, inteligência, etc., o distanciamento se torna concreto no final da narrativa de Minha vida, pois tanto o médico como a esposa se afastam definitivamente de Missail na busca de suas perspectivas pessoais, respectivamente, de estudo e de liberdade. No fim do enredo, o pai se recusa também a reconhecer Kleopatra como filha, acusando Missail de tê-la influenciado para sua concepção absurda de vida.


   Inicialmente, o que chama a atenção do leitor é a importância que Tchékhov faz dos antepassados do protagonista para, no decorrer da novela, desconsiderá-los gradativamente. O pai é, no final do enredo, envelhecido e encurvado a andar pelos arredores da própria casa. A mãe é apenas mencionada em sua morte. A família com seus gloriosos antepassados (poeta, general, pedagogo) não é suficiente para manter a solidez, pois o protagonista Missail e sua irmã Kleopatra anarquizam a estrutura mantida por Aleksandr Pávlovitch. Mas além da família de Missail, surge também uma cidade repleta de corruptos, uma galeria de personagens que abrange políticos, médicos, religiosos, militares, professores e funcionários em geral bem dispostos a qualquer tipo de gratificação. Propina é a mola propulsora da sociedade que Missail procura se afastar. O pai, arquiteto, colabora ao desenhar o mesmo tipo de casa padrão para uma sociedade padrão que, em seus lares, liquida filhas e mães e propaga o horror. A infância estúpida e agressiva vivida por Missail e Kleopatra é sinônimo da solidão vivida na velhice por seu próprio pai. A filha não quer saber do próprio pai que tanto atendeu, servilmente, durante anos. Os casamentos também são nutridos pelo machismo, assim como a pureza das moças vai murchando conforme a vida em família. A irmã de Missail engravida do médico Vladímir Blagovó, homem separado e pai de dois filhos. Por fim, Kleopatra morre e deixa uma menina. O pai viaja para o exterior em busca de especialização na medicina. Algo similar acontece com o casamento de Missail: apesar de amar a esposa, Maria Víktorovna (Macha), esta, decepcionada com a vida no campo, parte para Petersburgo e, de lá, em carta lacônica e autoritária, despacha o marido, fazendo-o crer que o casamento entre eles foi um grande erro. Ao partir para a América, segundo a filha do engenheiro Víktor Iványtch Dóljikov, busca sua liberdade. 

   Tchékhov discute, nesta novela repleta de situações desconcertantes, temas metafísicos de modo natural e impressionantemente claro, ao pulverizar os conceitos de uma província corrompida pelo passado e pelo presente em busca do dinheiro, e um jovem que procura buscar sentido para sua vida a partir do trabalho físico. Deste modo, o trabalho dito intelectual não serve a Missail, pois ficar tediosamente sentado à espera de algo não é, segundo o que pensa, inteligência a ser desenvolvida. Entretanto, Missail não consegue explicitar o que de fato deseja para sua vida e o sentido existencial a que procura se dilui nas expectativas que cria e nos trabalhos que desenvolve, como no do telégrafo da estrada de ferro que assume à na da atividade de pintor de paredes e telhados subordinado a Riedka. Mas Tchékhov surpreende também com a ligação de Missail com Riedka, pois seu equilíbrio espiritual se dá com a união a este homem, assim como Kleopatra, já grávida, mora em casa do pintor de paredes. Riedka, Missail e Kleopatra estão ligados também ao teatro amador da casa dos Ajóguin. 


   Por fim, o casamento com uma teórica da agricultura para que ela, caprichosa e egoisticamente, abra mão do casamento para buscar a liberdade. Junto com sua irmã (também abandonada pelo médico Blagovó – se é que realmente algum dia ele esteve junto por tanto tempo ao seu lado), Missail viverá os últimos momentos de vida desta para, finalmente, ser reconhecido pela província ou, ao menos, não ser mais chamado de “Alguma Utilidade”. Sozinho, Missail já não se encontra tão só, pois a trajetória de vida que desempenhou na província mediocrizada é dialogada, individualmente, por seus habitantes, como, por exemplo, Aniuta Blagovó. 


   Missail e Riedka são personagens marcantes, pois diferenciados da província. Segundo Riedka, “O pulgão come a plantação; a ferrugem, o ferro; e a mentira, a alma. Senhor, salve a nós, pecadores!”.



Alguns Personagens de Minha vida

1. Ajóguin – família rica e beneficente; apreciadores da arte; proprietários de terra;
2. Aleksandr Pávlovitch – pai de Missail; único arquiteto municipal da cidade; mora na Bolchaia Dvóriánkaia; guarda jornais, encaderna-os e não deixa ninguém ler;
3. Andréi Ivanov (Iványtch – corruptela do patronímico Ivánovitch) – pintor de paredes; cerca de 50 anos; alto; muito magro; pálido; peito chupado; “têmporas encovadas e olheiras”; aparência assustadora; tem “doença debilitante”; apelido (mas dizem que é seu sobrenome): Riedka (“rabanete”, em russo); “pernas descarnadas e violáceas”; 
4. Aniuta Blagovó – filha do vice-presidente do tribunal; alta; 
5. Kleopatra Alekséievna – irmã de Missail; 26 anos; teme e confia na inteligência do pai; “olhos escuros maravilhosos”; feia de perfil; nariz e boca avançados para a frente sugerindo um assoprar; 
6. Maria Víktorovna (Macha) – a filha do engenheiro Dóljikov; alma simples; inteligente; bondosa; cerca de 25 anos, mas com aparência de 30; loira; bonita e cheia; estudou canto em conservatório de São Petersburgo;
7. Missail Alekséievitch (Alekséitch – corruptela do patronímico Alekséievitch) – narrador; estatura alta; forte compleição física; apelido: “Alguma Utilidade”; procura um sentido para a sua vida; 
8. Vladímir Blagovó – médico; estudante; serve em regimento militar; olhar vivo e simples; olhos acinzentados; barbicha rala; casado com três filhos; infeliz na vida familiar; dizem que não vive com a esposa; engravida Kleopatra.

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