Do
artigo de Nikolai Aleksándrovitch Dobroliúbov (1836-1861), “O que é
oblomovismo?” (1859), às considerações do crítico Ettore Lo Gatto, passando
pelas de Marc Slonim, até chegar no posfácio de Renato Poggioli, na edição da
Cosac Naify, uma das certezas que se pode retirar é que esta obra Oblomóv, de Ivan Aleksándrovitch
Gontcharóv, é incomodativa pelos pares que apresenta, desde a construção
apática e sonolenta do protagonista Oblómov, da ativa e concreta maneira de
viver a vida do alemão-russo Stolz, até a distinta maneira de se comportar de
Olga Serguéievna Ilínskaia. Paralela a estas psicologias e modo de imobilidade
e mobilidade sociais, surge a figura de Zakhar, servo adaptado à mesmice da
vida de seu patrão Oblómov.
Ivan
Aleksándrovitch Gontcharóv nasce em 18 de junho de 1862 numa pequena e monótona
cidade às margens do Volga, chamada Simbirsk, atualmente Uliánov. Nas palavras
do próprio autor de Oblómov,
Simbirsk é uma cidade “adormecida e parada”. A criação de Ivan Aleksándrovitch
Gontcharóv dá-se numa propriedade patriarcal da nobreza campesina. Seus pais
são ricos comerciantes. Aos vinte e dois anos, Gontcharóv entra para o serviço
público, depois de graduar-se na Universidade de Moscou. Desempenha cerca de
trinta e três anos de atividade pública, ascendendo na carreira. Trabalha no
Ministério da Economia e, no ano de 1856, transfere-se para o da Educação,
exercendo, neste, a função de censor, atividade um tanto estranha para um escritor
de literatura, mas não, talvez, para um burocrata. Conservador moderado, nas
palavras de Marc Slonim, opta pela vida solteira depois de frustrações amorosas.
Através de uma conduta de vida ordenada e monótona, surpreende ao realizar uma
viagem de navio até o Japão, como secretário do almirante Putiatin. Desta
experiência, Gontcharóv deixa relatos numa espécie de diário (A fragata Pallas – 1857, sua publicação),
recuperando a viagem desde outubro de 1852 até fevereiro de 1855. Morre, em
decorrência de uma pneumonia, em 26 de setembro de 1891.
Gontcharóv |
Ivan
Aleksándrovitch Gontcharóv tem 35 anos quando publica seu primeiro romance, em
1847, Uma história comum. Neste
vasto romance, o protagonista Aleksandr Adúiev, jovem idealista com sentimentos
efusivos e sinceros, enfrenta um choque em seu romantismo ao deparar-se com a
realidade cotidiana, realidade esta inevitável que o vence golpeando-o. Deslocando-se
para Petersburgo, seus fracassos literários, amorosos e de amizades faz com que
o jovem Adúiev siga, definitivamente, o modelo de seu tio, também Adúiev, para
compreender e usufruir de uma vida através do casamento de interesse, de conveniências
sociais de ascensão e de hipocrisia, até o desejo e a realização na busca de
cargos burocráticos. Adúiev, tanto o sobrinho como o tio Piotr, simbolicamente
representam um mesmo tipo psicológico de personalidade em idades diferentes,
aglutinando passado e presente de gerações que não se diferenciam muito na
trajetória de uma imposta vida social. Nas palavras do próprio Gontcharóv, em
sua confissão literária Antes tarde do
que nunca, “Al escribir Una historia
comum, yo estaba pensando em mí mismo, em mí mismo y en una cantidad de
otros parecidos a mí…”
Oblómov é publicado em 1859 e escrito entre 1857-1858, embora
sua formulação tenha durado uma década. A crítica oferece a seguinte discussão
ao avaliar Uma história comum e Oblómov como possibilidades das
recordações da infância de Gontcharóv, assim como sugerem o caráter
autobiográfico destas histórias. Independente destas afirmações, Uma história comum busca um pano de
fundo social em que a crítica aos círculos progressistas e a servidão da gleba
se pronunciam. Os dois romances têm ótima repercussão no meio crítico da
literatura e entre o público leitor. Em 1869, Gontcharóv publica outro romance,
O abismo, ou como preferem algumas
traduções, O precipício. Nesta obra,
a abordagem dá-se mais na concepção do político e do social. Um feliz erro é seu primeiro trabalho,
ou seja, um conto inédito. Escreve, também, um conto breve, em 1869, Sopa de pescado.
Dez
anos antes da publicação de Oblómov,
o público é presenteado pelo autor com O
sonho de Oblómov, episódio que comporia, mais tarde, o volume Oblómov, mais precisamente na Primeira
Parte (1), no capítulo IX. O sucesso deste episódio,
inicialmente, em separado, dá-se pela criação psicológica somada à criação
detalhista da pintura da ambientação proposta pelo herói através da mescla entre
sonho e recuperação poética de sua infância em propriedade rural. A análise e a
descrição de pormenores e com preocupações idealistas asseguram as atitudes
realistas e românticas da literatura, iniciadas por Aleksandr Serguêievitch Púchkin
(1799-1837), Nikolai Vassílievitch Gógol (1809-1852) e tão caras às obras
iniciais de Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski (1821-1881).
Se para estes
escritores russos o limite entre o Romantismo e o Realismo são nebulosos, ler Oblómov e a não-ação de seu
protagonista, faz o leitor atento a associar, na obra futura de Antón
Pávlovitch Tchékhov (1860-1904), a mesmice, a apatia, a imobilidade e a falta
de perspectiva de uma vida de ação nos inúmeros contos e nas peças de teatro
tchekhovianos.
Gógol |
Dostoiévski |
Oblómov tem como primeira análise o artigo de Nikolai
Aleksándrovitch Dobroliúbov (1836-1861), “O que é oblomovismo?” (1859). Este texto
é referência para o entendimento do romance se o leitor procura associar o
enredo na esfera não do “retrato psicológico”, mas a partir das patologias
social e moral provenientes da servidão em curso no século XIX. Para melhor
esclarecimento destas ideias, sugiro a leitura deste ensaio em Antologia do pensamento crítico russo
(1802-1901), com organização de Bruno Barretto Gomide e tradução de Sonia
Branco, editora 34, 2013.
Entretanto,
mesmo que a avaliação do leitor enverede pelo caminho social, uma indagação
pode permanecer ao longo do enredo e, talvez, solucionada com perspicácia
através de uma leitura digamos, preguiçosa, não no sentido de uma das
habilidades de Iliá Ilitch Oblómov. As perguntas podem surgir na íntima relação
entre os personagens Oblómov e seu servo Zakhar e, mais tarde, com Agáfia
Matviéievna Pchenítsina. Na condição histórica de uma definição social mais
explícita desta relação social, é claro que a vida protagonizada por estes
pares mostra uma superioridade (e exploração) de Oblómov em relação à vida de
Zakhar (e à de Agáfia Matviéievna Pchenítsina). Mas será que o efeito crítico
desta relação não está, também, no absurdo vivido por Zakhar ao atuar da
maneira em que atua para sobreviver? Ou, ainda, até que ponto as angústias do
servo contagiam o modo de viver do nobre apático Oblómov? Zakhar carregou no
colo a criança Iliá Ilitch e com sua fidelidade não o abandona nem no túmulo de
Oblómov. É claro que a inabilidade de Oblómov é espelho de uma classe nobre que
nada ou pouco faz e vive às custas dos outros, seja de um servo ou de uma
suburbana. Mas será que Zakhar pode ser visto somente como a antítese de seu
senhor por sua condição de servidão ou é possível averiguar que seu modo de
vida em nível filosófico não é tão díspare como pode se apresentar? Resumindo:
não instigando que a leitura deva ser em defesa do nobre em relação ao servo,
seria interessante pegar um viés histórico daquilo que serve como talvez única
e rápida possibilidade de sobrevivência dos humilhados e ofendidos a partir das
inabilidades dos patrões. Zakhar sabe lidar com as deficiências do nobre
Oblómov desde a infância deste, uma vez que a própria criação de Iliá Ilitch
colocou-o numa redoma de proteção ao mundo externo. Zakhar parece ter
compreendido esta redoma, ao ponto de proteger seu patrão na vida adulta, assim
como surrupiar o necessário para seus íntimos e ínfimos prazeres. Numa espécie
do tipo popular “quem não chora não mama”, Zakhar sabe até que ponto pode
chorar ou mamar, mas não perdendo sua fidelidade para com o patrão,
independentemente se o defende ou o ofende ao inventar histórias sobre o seu
senhor. Oblómov faz isso, também, embora de uma forma aceitável por pertencer
ao mesmo tipo social, com Stolz, ao esperar deste as possíveis soluções para
suas preocupações mentalmente por Oblómov entendidas como temporárias. O
parasitismo obloviano de Iliá Ilitch estende-se não somente por sua classe
social, mas por toda uma sociedade que atua em cima deste recurso para
sobreviver sem muito esforço. Acontece que isto não anula o sofrimento da
periferia numa leitura mais social, como se percebe, claramente, na última
parte do enredo, quando o leitor passa a ter mais detalhada a vida de um tipo
de proletariado social, na forma do cotidiano de Agáfia Matviéievna e de seu
irmão Ivan Matviéievitch Mukhoiarov com a instigação de Mikhéi Andréievitch
Tarántiev, suposto amigo de Oblómov.
Para
este trabalho, a ênfase da análise cairá, principalmente, nas relações entre
pares de personagens e suas relações psicológicas para o aprofundamento das
relações sociais.
O
enredo de Oblómov apresenta-se em
quatro partes e com um total de quarenta e seis capítulos.
A
primeira parte centra a discussão, basicamente, na atualidade da vida de
Oblómov no seu domínio geográfico, ou seja, em seu apartamento. Aí alguns
problemas surgem para a intranquilidade do protagonista, uma vez que ele não
vive completamente sozinho (mas num contexto social próximo de si com suas
visitas inoportunas que desejam levá-lo para fora de seu habitat), embora queira
anular-se frente ao mundo e, em especial, à sociedade, Oblómovka traz problemas
agudos para Oblómov e, finalmente, o local onde mora deve ser entregue para
reforma já que está na condição de inquilino. Esta é a primeira fase
apresentada ao leitor para a vida do tempo presente do protagonista. Zakhar
fica a buzinar nos ouvidos do patrão os problemas mundanos, como pagamento de
dívidas e a mudança em iminência, além de irritá-lo ao comparar Oblómov com os
“outros”. Neste ponto, algo bastante peculiar: a comparação do serviçal ofende
profundamente Oblómov, já que ele, um nobre, não pode ser um “outro”, ou seja,
alguém que trabalha, passeia e tem ânimo para a vida. O primeiro a visitar
Oblómov é Vólkov, homem dinâmico com o costume de fazer dez visitas por dia,
portanto, um ser atarefado socialmente. Para Oblómov, Vólkov tem sua vida
estragada pelo social. Em seguida, aparece Sudbínski, homem de tarefas
profissionais que envolvem promoções e gratificações, por isso possuidor de um
ótimo salário. Oblómov conclui para si que Sudbínski trabalha para os outros,
enquanto que ele, Oblómov, trabalha para si, diferença épica para os objetivos
pensantes de Iliá Ilitch. A vida de Sudbínski, segundo Oblómov, é um
infortúnio, além de ser um carreirista “cego, surdo e mudo”. Piénkin é o
próximo a visitar Oblómov em seus “domínios”, ou seja, um casarão na Rua
Gorókhovaia, em São Petersburgo. Piénkin tem bastante serviço, pois escreve em
jornal, é revisor, é contista e defende o realismo na literatura. Oblómov
raciocina que ele, Oblómov, lê muito pouco e que no realismo há muita descrição
e pouco humanismo. Acha que a vida de Piénkin é um infortúnio, uma vez que
precisa sempre escrever. Alekséiev também visita Oblómov, mas é tolerado,
diferentemente dos demais, por quase não parecer que está ou que esteve no
ambiente. Já Tarántiev traz vida, retirando Oblómov do tédio e da imobilidade,
assim como tira dinheiro e objetos de Oblómov. Na última parte do enredo, Tarántiev
será um dos traidores e parasita contumaz da vida de Oblómov. Paralelamente a
estas visitas transeuntes pelo quarto de Oblómov, este basicamente fica deitado
ou sentado, não conseguindo diferenciar o mundo lá fora, pois argumenta que não
pode sair de seu apartamento porque está úmido e que irá chover. O problema é
que as janelas do quarto de Oblómov devem ser limpas, de tanta poeira têm assim
como o restante de seu apartamento. Mas isto é culpa de Zakhar que nada limpa e
fica dormitando em seu leito ao lado da estufa. O criado procura cutucar o
patrão lembrando o que este tem a fazer, mas Oblómov posterga suas obrigações
imediatas com muitas desculpas. O limite do criado é o discurso emotivo de Iliá
Ilitch e suas “palavras patéticas”, insuportáveis para Zakhar: “Zakhar fingiu
que andou, mas só se balançou, mexeu a perna e ficou no mesmo lugar”. Resumindo:
Oblómov passa boa parte deste início do enredo deitado na cama sem resolver
absolutamente nada, embora seus problemas existam. Oblómov “não estava
acostumado ao movimento, à vida, a muita gente junta e ao rebuliço” e “tendo
deixado para trás o serviço público e a vida social, ele começou a resolver a
questão da existência de outra forma, refletia sobre o seu papel na vida e, por
fim, descobriu que seu horizonte de atividade e de existência tinha de ser
encontrado dentro dele mesmo”. Para todos que o visitam em seu quarto, Oblómov
pede para que não se aproximem muito dele, pois estes chegam da rua e do frio.
Afinal, “ficou na poltrona, pensativo, em sua pose preguiçosa e bela, sem
perceber o que acontecia e o que se falava à sua volta.” ou “quase nada o fazia
sair de casa, e a cada dia, de modo cada vez mais firme e tenaz, ele se
aferrava a seu apartamento”. O amigo de infância de Oblómov é quem fecha esta
primeira parte da narrativa, chegando de viagem e surpreendendo Iliá Ilitch ao
tirá-lo de casa para conviver com a sociedade. Conclusão oblomoviana: “Ah, meu
Deus! Não se pode fugir da vida, ela alcança a gente por todos os lados.”
No
capítulo VIII, desta primeira parte, o narrador conduz o leitor para o capítulo
seguinte denominado “O sonho de Oblómov”: “O sono deteve o fluxo vagaroso e
indolente de seus pensamentos e transportou-o instantaneamente para outra
época, para outras pessoas, para outro lugar, para onde eu e o leitor seremos
transportados no capítulo seguinte…” Neste capítulo, “O sonho de Oblomóv”, o
leitor encontra um “abençoado cantinho da terra” e um “local maravilhoso” em
que se mesclarão um sonho idealizado na perspectiva do passado da infância de
Oblómov que, de real ou de verossímil, pouco ou nada tem de concreto, pois
idealizado pelos adultos que o privam e o protegem. Enfim o sonho somado ao
sonho de uma criança inatingível pelos problemas que crianças enfrentam
normalmente. Comentário do narrador: “Não, nada disso existe em nossa região.”
A infância de Iliá Ilitch assim pode ser resumida em determinada parte: “E
Iliucha, com tristeza, ficava em casa, mimado como uma flor exótica na estufa
e, como uma flor, cercado por vidros, ele crescia devagar e sonolento. Suas
energias, impedidas de se manifestar, voltavam-se para dentro e murchavam,
definhavam.” E, deste modo, a vida “avançava” em Oblomóvka: “Nada perturbava a
monotonia daquela vida, e os próprios residentes de Oblomóvka não se
incomodavam com aquilo, porque não imaginavam outro dia a dia; e, se pudessem
imaginar, lhe dariam as costas com horror. Não gostariam nem quereriam saber de
outra vida. Lamentariam se as circunstâncias causassem mudanças em sua
existência, quaisquer que fossem as mudanças. Derramariam lágrimas de angústia
se o dia seguinte não fosse parecido com amanhã. (…) Durante décadas,
continuariam a fungar, a cochilar, a bocejar ou a desatar risadas bem-humoradas
com os gracejos da roça, ou então, reunindo-se numa roda, contavam o que alguém
tinha visto de noite num sonho.”
No
início da segunda parte, Oblómov faz reflexão sobre a leitura: “nem imaginava
que a leitura pudesse ser uma necessidade fundamental, e considerava aquilo um
luxo, uma coisa sem a qual podia viver facilmente, assim como era possível ter
ou não ter um quadro na parede, dar ou não um passeio: para ele, não tinha a
menor importância qual era o livro; olhava para ele como uma coisa destinada a
ser uma distração do tédio, do fato de não ter o que fazer.” Ainda na primeira
parte, Oblómov pegava um livro por pura distração ou abandonava o livro até
este pegar poeira. Esta segunda, parte, então, nos reserva algumas surpresas,
pois, afinal, Oblómov vê-se obrigado a sair da toca. Deste modo, Stolz delega
seu poder temporário para sua amiga Olga Serguéievna. No decorrer de boa parte
da narrativa, Stolz desaparece e surge, basicamente, para salvar de algum
contratempo o amigo de infância Oblómov. Stolz irá aquietar-se mais para a
terça parte do romance quando aparece a discutir alguns dilemas existenciais
com sua esposa Olga Serguéievna. As ideias progressistas e um tanto liberais de
Stolz são exemplificadas, não somente pela dimensão que dá de seus negócios
capitalistas no estrangeiro, como, também, em certa ocasião em que assim se
pronuncia sobre os servos na Rússia quando em sua conversa com Oblómov (na
ocasião, ambos discutem sobre a fuga de alguns servos de Oblómovka):
- Que
tratante, esse estaroste! – disse ele. – Deixou os mujiques irem embora e agora
fica reclamando! Era melhor dar a eles os passaportes e deixar que fossem para
os quatro cantos do mundo.
- Mas,
se fizermos isso, na certa todos vão querer ir embora – retrucou Oblómov.
- Deixe-os
ir embora! – disse Stolz, sem a menor preocupação. – Quem achar que é bom e
vantajoso ficar onde está não irá embora; e se para eles não é vantajoso, para
você também não é: para que segurá-los?
- Mas
onde é que já se viu? – disse Iliá Ilitch. – Em Oblomóvka, os mujiques são
dóceis, caseiros; por que vão querer ficar vagando por aí?
Oblómov é romance de 1859, portanto, antes da libertação dos
servos que ocorre em 1861 com as reformas liberais de Alexandre II, filho de
Nicolau I.
A
segunda e a terceira partes da narrativa transportam o leitor para uma casa de
veraneio bastante temporária na vida de Oblómov, pois ele tem contrato assinado
(e não lido) para instalar-se em casa de senhoria. Este contrato é uma das
primeiras vigarices daquele Tarántiev que visitou Oblómov, em São Petersburgo,
em seu apartamento. Concomunado com Tarántiev, Ivan Matviéievitch Mukhoiarov
coloca cláusulas absurdas no contrato para extorquir o ingênuo Oblómov a fim de
prendê-lo por um bom tempo em casa da senhoria e também sua irmã. Mas estes
dois comparsas terão, em parte, o que merecem até o final do romance, pois,
segundo o narrador, “a astúcia é como uma moedinha de pouco valor, com a qual
não se pode comprar nada. (…) A astúcia tem vista curta.”
Enquanto
para ali não se desloca, ou seja, para a casa da senhoria Agáfia Matviéievna, Oblómov
manda para lá seus criados Zakhar e Aníssia. Agora, no enredo, há o amor de
Oblómov para com Olga Serguéievna: “‘Sim, eu estou extraindo algo dela’,
pensou, ‘alguma coisa dela está se transferindo para mim. No coração, bem aqui,
parece que algo começa a palpitar e borbulhar… Aqui eu sinto algo excessivo,
que parece que antes não havia… Meu Deus, que felicidade olhar para ela! Até
respirar é difícil.” A relação entre Oblómov e Olga Serguéievna dá-se na
ausência na vida de ambos de pessoas mais próximas que estruturem suas
idealizações. Stolz, então o amigo de Olga Serguéievna, prático e objetivo,
está a viajar pelo estrangeiro. Ele, Oblómov, sempre idealizou seus sonhos para
evitar a realidade árdua com seus insolúveis problemas que nada têm com a vida
dele, Iliá Ilitch. O romanticismo de ambos aparece e dialogam na certeza,
principalmente dela, de uma união forte, estável e segura, pois desta forma
pensa Olga Serguéievna. Mas a jovem também sabe (por Stolz e porque também
percebeu) que ela é o guia para Oblómov. Sem ela, ele não vive nem a vida nem
tampouco o amor por ela. Esta certeza de Olga Serguéievna traz certa satisfação
à jovem, pois dominar a situação do amor é inerente nas mulheres e… nos homens,
alerta o narrador. Mas o domínio traz responsabilidades e algumas desvantagens,
para a mulher da época, porque a vida de um casal necessita da cultura do
patriarcalismo e da segurança que o marido deve dar (uma vez que a sociedade
assim cultua) à esposa, aos filhos e, por tabela, à família. A convivência dos
dois passa a um outro estágio: indefinições de Oblómov, recaída dele e busca de
uma sustentação por parte dela para que ele reaja, não somente para o amor,
mas, principalmente, para a vida. O leitor, neste momento, lembra da “tarefa”
dada por Stolz para Olga, a de não deixar Oblómov dormir, ficar em casa sem
nada fazer, etc. Altos e baixos começam a surgir na relação entre Oblómov e
Olga. Para ele, uma preocupação (social e pessoal encarada como fuga de um
problema como ele vê nos conflitos que a vida apresenta) notável são os
encontros entre duas pessoas sem compromisso oficial, ou seja, ainda não
informado para a tia de Olga, Mária Mikháilovna, e para a sociedade. Entretanto,
a exigência de Olga para que a notícia do noivado seja comunicada à sociedade
depende, como forma de pressão a Oblómov, que ele resolva problemas pontuais em
sua vida, coisa que ele tem extrema dificuldade de executar. As pressões, neste
momento da narrativa, para Oblómov são também as obrigatoriedades dos
preparativos do casamento e do seu futuro ao lado de Olga, já que seu convívio
com a jovem prática e romântica estabelece prioridades concretas para o
convívio a dois. Oblómov começa a se dar conta desta pressão pelas angústias
que vê frente ao amor e, principalmente, as soluções que precisa dar para seus
problemas. Oblómovka e sua relação de ir ou não morar em casa alheia (da
senhoria) devem ser prioridades para pensar e concretizar seu futuro com Olga
Serguéievna, que ama Oblómov. O amadurecimento desta jovem frente ao amor e sua
escolha pelo casamento com Stolz passa, obrigatoriamente, pela leitura que Oblómov
a faz enxergar quando do rompimento entre os dois. Olga Serguéievna vive
ambiguamente entre o romanticismo do amor e a praticidade de uma vida ideal
(nos termos da sociedade) entre ela e Oblómov. Isto ocorrerá com o casamento
com Stolz, união reveladora da capacidade da jovem de, também, desempenhar
parceria nos negócios profissionais do marido. O que restou na recordação de
Olga Serguéievna quando de seu relacionamento com Oblómov é a bondade e a
peculiaridade que Iliá Ilitch tem e que o diferencia dos demais homens: a
bondade de seu coração. Neste ponto, o leitor pode perguntar por que Olga não
se satisfez com aquilo que diferencia Oblómov dos demais homens e mulheres: a
bondade e a honestidade. Talvez nem ela mesma saiba responder diretamente a si
mesma, mas, contraditoriamente às leis da civilidade e dos discursos morais,
entregar-se ao tipo preguiçoso, indeciso e honesto que é Oblómov não faz parte
de seus planos práticos de vida. Entretanto, o próprio noivo tem a capacidade
de ver para a sua vida algo que não conseguirá suportar por muito tempo: o
trabalho, a decisão e a definição objetiva que precisa dar para sua própria
vida. Oblómov é homem de personalidade forte, pois sabe de seus limites. Desta
maneira, procura salvar Olga Serguéievna de seu próprio amor com ele e, por
extensão, salvar-se a si mesmo de qualquer tipo de pressão vindoura. Oblómov
sabe que não conseguirá suportar por muito tempo uma união com Olga
Serguéievna, mulher que ele mesmo julga a mola que o faz ter momentos de querer
viver e fazer coisas práticas em sua vida. Dizendo e contradizendo-se de um dia
para outro, ausentando-se sem maiores explicações (pois não envia carta por
mensageiro e deixa Olga esperando sua visita), chega o momento derradeiro entre
o casal: ela recolhe-se ao seu quarto, depois de breve desmaio, e fica, em sua
poltrona, a pensar na situação de seu amor por aquele homem pachorrento.
Resolve terminar tudo entre eles. Mas ainda tenta uma última cartada para este
amor: caso ele reconheça que lutará e mudará frente ao que ele é na realidade.
Se ele reconhecer a possibilidade da mudança, Olga retira o que disse sobre a
separação. A honestidade de Oblómov fala por ele: tem conhecimento que não
resistirá por muito tempo para com este tipo de compromisso e de transformação.
A separação é, então, definitiva e um alívio para Iliá Ilitch Oblomóv. Apesar
do alívio, casmurro fica ele em seu cômodo em casa da senhoria, sendo, como que
hipnotizado, atendido pelo servo Zakhar. A aproximação entre Oblómov e Agáfia
Matviéievna, lenta anteriormente, ganha velocidade um pouco maior.
Paralelamente a esta aproximação, outro golpe está sendo montado pelo irmão
desta, Ivan Matviéievitch Mukhoiarov, e seu comparsa Tarántiev. Olga e sua tia
viajam para a Europa e, acidentalmente, são vistas em loja de Paris pelo
incrédulo Stolz. Este novamente aproxima-se da amiga Olga e termina por
declarar seu amor por ela, mas um amor centrado, racional e sem excessos. Olga
também já está vacinada para o amor e, surpreendentemente, “envelheceu” para
este. Como ela mesma dizia a si mesma e a Oblómov, uma mulher não ama duas
vezes na vida. A união entre Olga e Stolz, então, concretiza-se.
Finalmente,
a quarta parte do romance. O mundo proletário, de periferia e suburbano
revela-se ao leitor e a Oblómov. Morador de cômodos na casa de Agáfia
Matviéievna Pchenítsina (Oblómova), com Zakhar e Aníssia, Oblómov é passado
para trás ao menos por duas vezes pelos comparsas e vigaristas Mikhéi
Andréievitch Tarántiev (compadre da senhoria) e Ivan Matviéievitch Mukhoiarov (irmão
da senhoria). Graças às repentinas visitas do amigo de infância de Oblómov,
Stolz, as falcatruas impostas a Oblómov pelos larápios são relativizadas. Mas
há algo mais importante do que tudo isso para Oblómov: ali, naquela casinha, o
nobre reencontra a sua vida passada no campo (embora na cidade e na periferia),
ou seja, na figura daqueles moradores (em especial, Agáfia Matviéievna
Pchenítsina/Oblómova, sua enamorada, sua esposa e sua criada). Assim, todos
podem servi-lo (Agáfia, Zakhar e Aníssia), de modo similar a de sua criação
pelos seus pais em tempos da propriedade rural. Stolz ainda procura tirá-lo
dali, mas levá-lo, segundo o próprio Oblómov, é fazê-lo morrer. Stolz, com a
permissão de Agáfia Matviéievna Pchenítsina, criará, com Olga Serguéievna,
Andriucha, filho de Oblómov e de Agáfia Matviéievna Pchenítsina, depois da
morte de Oblómov. Sofrendo dois ataques de apoplexia num intervalo de cerca de
um ano, Oblómov é enterrado em cemitério das cercanias e tem como visita
frequente a seu túmulo o mendigo Zakhar. Lilases, plantados por uma mão amiga (certamente
a de Olga Serguéievna), enfeitam a lápide de Oblómov. Afinal, na ideia de
Oblómov, independente da ação do homem, ele passa pela vida dormindo.
“Assim como naquele tempo seu pai, seu avô, os filhos,
os netos e os hóspedes ficavam sentados ou deitados numa tranquilidade
indolente, sabendo que em casa, em torno deles, se movimentavam eternamente
olhos zelosos e mãos incansáveis, que costuravam para eles, que os alimentavam,
que lhes davam de beber, que os vestiam e calçavam, que os punham para dormir e
que, na hora da morte, fechavam seus olhos, também assim Oblómov agora sentava
no sofá, dali não se mexia, via que algo ágil e veloz se movimentava em seu
favor e que, mesmo que o sol não nascesse no dia seguinte, mesmo que tufões
encobrissem o céu, mesmo que um vendaval tempestuoso desabasse vindo dos
confins do mundo, ainda assim sua sopa e sua carne assada seriam servidas na
mesa, as roupas de baixo estariam limpas e frescas, as teias de aranha seriam
removidas das paredes, sem que ele soubesse como aquilo acontecia, sem que se
desse ao trabalho de refletir no que queria, pois seu desejo seria adivinhado e
ele seria servido, não com indolência, não com grosseria e não pelas mãos sujas
de Zakhar, mas com um olhar dócio e bondoso, com um sorriso de profunda
devoção, e por mãos limpas, brancas, e por cotovelos nus.”
Oblómov é
romance com narração em terceira pessoa. Este narrador opina discretamente durante
o processo literário, embora dê algumas opiniões sobre a forma de pensar em
nível moral e de comportamento dos personagens. A obra é dividida em quatro
partes com capítulos em romano. A parte 1
é composta por onze capítulos, com destaque ao episódio do capítulo IX, O sonho de Oblómov; a parte 2
é composta por doze capítulos, assim como a parte 3; finalmente, a parte 4,
retoma o número de capítulos da parte 1,
no caso, onze.
O tempo narrativo sugere a
abrangência de alguns anos, em torno de dez, com marcas precisas em alguns
momentos do enredo, como um ano que se passou, ou alguns meses, ou, ainda,
semanas, ou pelo crescimento de algumas crianças (no caso os filhos do primeiro
casamento de Agáfia Matviéievna Pchenítsina), ou viagens ao exterior por conta
de Stolz e de Olga (quando solteiros e, depois, casados) e, também, pelo
envelhecimento de Zakhar Trofímov, e, até, pelo do cão em casa do inquilino
Oblómov em Víborg. Há, também, o passado remoto de Oblómov e de Stolz, se
considerarmos, em relação ao tempo presente, suas infâncias. Há o passado
recente destes mesmos personagens quando se deslocam para Moscou e Petersburgo
em nível de suas formações universitárias. O tempo psicológico atua no decorrer
da narrativa, não somente por se estender através da mudança entre um dia e
outro, ou uma noite e outra, como na apresentação dos acontecimentos amorosos
entre Oblómov e Olga Serguéievna com as visitas (secretas ou não) nas quartas,
nos domingos, pelas manhãs, pelas tardes e pelos crepúsculos. O amadurecimento
psicológico frente aos sentimentos do amor, em Olga Serguéievna, fortalece este
tempo psicológico.
No final do enredo, Ivan Aleksándrovitch Gontcharóv apresenta
como o romance foi construído a partir das observações de Stolz e da escrita de
um literato com possíveis características físicas próximas às do próprio
Gontcharóv.
“Certa vez, por
volta do meio-dia, dois senhores caminhavam lado a lado pelas calçadas de
madeira de Víborg; atrás, uma carruagem vinha devagar. Um deles era Stolz, o
outro, seu amigo, um literato gordo de rosto apático, pensativo, com olhos que
pareciam sonolentos.” (Parte
4. Capítulo XI).
Gontcharóv |
Na evolução da conversa entre Stolz e
o literato, este tem curiosidade em saber como surgem os mendigos, pois observa
grupo destes perto da igreja. Stolz sugere ao amigo dar um rublo de prata para
saber completamente a história de um deles. Chama, então, um típico mendigo.
Este se aproxima dos dois senhores com um rosário de invencionices sobre suas
condições que o levaram a situação atual de mendicidade, até ser interrompido
com a exclamação de Stolz: “Zakhar!”. Por fim, pela menção que Zakhar faz de
ter dúvida em abandonar o túmulo de seu patrão Oblómov e seguir o alemão à sua
aldeia, o literato receberá a história de Iliá Ilitch Oblómov da boca de Stolz.
De posse das informações, escreve o volume que o leitor acabou de ler.
-
Puxa, você ouviu só a história daquele
mendigo? – disse Stolz a seu amigo.
- Mas quem é esse tal de Iliá Ilitch de
quem ele falou? – perguntou o literato.
- Oblómov: eu já falei com você várias
vezes sobre ele.
- Sim, lembro o nome: seu camarada e
amigo. O que aconteceu com ele?
- Morreu, uma vida desperdiçada.
Stolz suspirou e se pôs a pensar.
- E não era mais tolo do que os outros,
tinha a alma pura e clara, como cristal; nobre, gentil... e desperdiçou a vida!
- Por quê? Qual foi a causa?
- A causa... qual foi a causa?
Oblomovismo! – disse Stolz.
- Oblomovismo! – repetiu o literato com
surpresa. – O que é isso?
- Vou lhe contar daqui a pouco,
deixe-me organizar as ideias e a memória. E depois você escreve: quem sabe pode
ser útil a alguém?
E ele
contou o que aqui está escrito.”
Deste modo, a história apreciada pelo
leitor tem a ideia do enredo proposta por Stolz a partir da vida de Oblómov e a
escrita do literato.
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