domingo, 7 de fevereiro de 2016

O CROCODILO



          O título O crocodilo pode ser intrigante para quem não está acostumado com a literatura de Fiódor Dostoiévski, embora as surpresas que o autor de Humilhados e ofendidos (1861) apresenta em alguns de seus títulos mostram a capacidade também de Dostoiévski em atrair o seu público através de título estranho ou curioso. Uma lista surge com Bóbok (1873), Uma criatura dócil (1876), O duplo (1846), O idiota (1868), Os demônios (1871), O eterno marido (1870), Sonhos de Petersburgo em verso e prosa (1873), entre outros. Do resgate social em O crocodilo (1864), como chama atenção Boris Schnaiderman, “Fica evidente (…) a relação do jornalístico (…) com uma reflexão lancinante sobre o homem e a sociedade.”. Em outros títulos, o autor também explora obras diretamente ligadas ao cotidiano e aos jornais e revistas russas de sua época, como Bóbok, Sonhos de Petersburgo em verso e prosa, Uma criatura dócil (1876) e O senhor Prokhartchin (1846), além de passagens significativas de seus romances da maturidade. Diário de um escritor foi desenvolvido por Dostoiévski entre os anos de 1873 e 1878. Boa parte da preocupação do escritor de Gente pobre (1846) pelo social imediato está presente nestes seus textos, assim como a colaboração que faz nas revistas de seu irmão Mikháil Mikháilovitch Dostoiévski em tempos de Vrêmia (O Tempo) e do Epokha (A Época). A atividade jornalística de Dostoiévski é combustível em sua literatura, assim como seu ponto de vista é recorrente em nível das críticas que faz em textos que diversas vezes tornam-se híbridos em seus gêneros, transitando entre a ficção e a não-ficção. Para o leitor acostumado com apenas Crime e castigo (1866) e Os irmãos Karamázov (1880), esta atividade prosaica e eficaz do autor pode passar desapercebida, mas ela também existe nestes textos. Meses depois da escrita de O crocodilo, Dostoiévski escreve Memórias do subsolo, também no ano de 1864. Não estariam nestes dois textos, apesar de suas diferenças, uma diretriz bastante próxima em nível do discurso social e filosófico proposto pelo autor?, sugere Boris Schnaiderman. Em Notas de inverno sobre impressões de verão também já se percebe indícios daquilo que “o homem do subsolo” ironizaria e conceituaria sobre a sociedade e as “habilidades” que o homem tem para deslocar-se do âmbito social, embora de modo mais profundo.


Em O crocodilo, encontramos poucos personagens que se relacionam entre si, pois como conto (ou novela chamada por alguns críticos) precisa, por seu enredo, transitar num número reduzido de protagonistas e de coadjuvantes. Como o texto é inacabado, talvez por isso a “classificação necessária e sistemática” de inclui-la também como novela, etc. Dostoiévski deixa escrito rascunhos sobre a continuação de O crocodilo, com tópicos e observações delirantes, com sugestões de continuidade para alguns personagens e com desenvolvimento de fantasias de conotação sexual. Certamente ideias do rascunho que se concretizadas no texto “concluído” pelo autor enfrentaria problemas com a censura de sua época.

Em nível dos personagens, em número de treze, desconsiderando dois ou três que são citados em artigo de O Cabelo (Lukianov; Afímia Skapidárova; um soldado), pode-se centrar a discussão e suas simbologias em papéis definidores para fundamentar a sátira à burocracia como a crítica ao capitalismo que Dostoiévski emprega em seu texto.

Começando pelo narrador, percebemos a testemunha construída por Dostoiévski para que perambule ao lado do casal Ielena Ivânovna e Ivan Matviéitch. A dependência que o narrador tem deste casal é notável, tanto pela sedutora beleza e futilidade de Ielena Ivânova, como pelo autoritarismo do amigo que vem desde a infância do narrador, com o desejo deste de já ter rompido tal amizade. Entretanto, como se vê, essa ruptura não se concretiza. O oscilar da personalidade do narrador Siemión Siemiôvitch é também notável, pois ao mesmo tempo que odeia o amigo, adora a esposa deste e sugere a permanência deste triângulo social dentro do próprio crocodilo, local que possibilitaria a presença dos três, nas palavras de Ivan Matviéitch. Siemión Siemiôvitch passa tal ideia para Ielena Ivânovna. Apesar de sua condição de dependência para com o casal, o narrador não deixa de ser opiniático e julgador, criando juízos de valor para os demais personagens, utilizando recursos como o cinismo, o puxa-saquismo, a submissão, assim como alguns conceitos unilaterais. Como conversa com o leitor, sugere crítica a todos àqueles que convivem com ele. O que se percebe é que sua dificuldade está em abandonar o seu meio social, seja com o casal protagonista, seja com aqueles que se relaciona na repartição na qual trabalha. Afinal, nada mais natural para a maioria das pessoas, para viver em sintonia com o mundo, do que fazer concessões, às vezes, desagradáveis. Para o narrador, o alemão é um ganancioso, Ielena Ivânovna, fútil, Ivan Matviéitch (Matviéievitch), leviano e invejoso. Vantagem do narrador Siemión Siemiôvitch sobre os demais personagens, além de comandar a narrativa: tem consciência do absurdo que ocorre com o amigo dentro do crocodilo. Os patronímicos dos personagens tornam-se corruptelas criando, desta maneira, intimidade e cotidiano.

Ivan Matviéitch é apresentado inicialmente como marido de uma bela e jovem mulher. Com algum problema de saúde (que o leitor nem desconfia qual seja), ganha passagens para o estrangeiro para lá se tratar, embora tenha mais vontade de conhecer as coisas novas que o exterior proporciona (no caso, a Europa, a ocidentalização ironizada na obra). De saúde precária, encontramos o mesmo Ivan Matviéitch de bem com a vida e com sua saúde quando no interior do crocodilo, metáfora do capitalismo (e de sua ocidentalização) na Rússia pós 1861. Do doente funcionário público bancado por sua própria repartição, Ivan Matviéitch torna-se um megalomaníaco e patético homem cooptado pela parafernália do sistema capitalista na Rússia. Sem o capitalismo em sua vida, um homem doente; com o capitalismo, sua saúde melhora. No decorrer do enredo, torna-se irritado com algumas colocações contrárias à disposição dele pelo amigo, assim como autoritário em relação à esposa e ao próprio Siemión Siemiôvitch.

Ielena Ivânovna é o símbolo da beleza e da futilidade, sendo requisitada pelo próprio marido, pelo narrador, pelo Tiemofiéi Siemiônitch, pelo escurinho, etc. Sensual, leviana e adulterina, credita-se viúva com direito ao dinheiro do ordenado do marido que deveria estar em casa e não dentro de um crocodilo. Aqui, a argumentação de Siemión Siemiôvitch de que seu amigo Ivan Matviéitch ama Ielena Ivânovna faz pouco efeito na limitada esposa. Ao escutar, entretanto, os projetos que o marido tem para ela de recepcionar em casa a intelectualidade que ele preparará de dentro do crocodilo com suas palestras, ela, imediatamente, afirma precisar de todo o salário do marido para a compra de inúmeros vestidos.

Tiemofiéi Siemiônitch é reprodução de fala alheia, no caso, da fala capitalista de Ignáti Prokófitch, pois é homem de pouca inteligência. Sua característica o impulsiona para ser a metáfora do funcionalismo da sociedade russa, já que tem 50 anos de atividade neste ramo.

Os alemães do enredo são protagonizados pelo alemão (dono do crocodilo Carlinhos/ Karlchen) e sua Mutter. Frios e arrogantes como o sistema de troca capitalista, sua fonte de riqueza, inicialmente, é o crocodilo para, em seguida, ser também o prisioneiro do vazio do estômago do animal aborígene. O vazio capitalista impera naqueles que devoram os outros por seu sistema e princípio econômico.

O capitalismo é personagem a ser analisado no enredo, pois é a metáfora de Carlinhos, o crocodilo. O que o rege é o “princípio econômico em primeiro lugar” e a “atração de capitais estrangeiros”. Deste modo, o crocodilo valoriza Ivan Matviéitch e este se sente valorizado por seu aspecto externo, pois dentro do animal só há o vazio, segundo a avaliação de Ivan Matviéitch. Completamente desumano, o crocodilo/capitalista é defendido por alguns jornais, ressonância do que está acontecendo de fato em nível social na Rússia. A novidade contagia, assim como intelectuais promovem o novo sistema adaptado num clima inóspito, como o narrador avalia. A arrogância de Ivan Matviéitch é proporcional ao destaque que o crocodilo o permite, ou seja, a possibilidade de anunciação do sistema capitalista nas palestras que Ivan Matviéitch deseja fazer aos intelectuais que visitarão a sala do crocodilo. O círculo do dinheiro se completaria desta forma, pois paga-se o alemão para poder escutar o vazio interior do animal na metáfora do intelectual Ivan Matviéitch com seu discurso vazio para intelectuais dispostos a escutar as façanhas do dinheiro na nova sociedade que se deve criar na Rússia com uma burguesia capitalista.



Dostoiévski escreve O crocodilo no ano de 1864. Graças aos acessos que deixou de seus rascunhos, sabemos da intenção do autor em dar continuidade a este texto inconcluso. Entretanto, a análise possível que se pode fazer é com aquilo que se articula dentro da evolução dos subepisódios decorrentes do episódio mais significativo e simbólico do crocodilo voraz engolindo Ivan Matviéitch, após breve provocação deste. O crocodilo é visto como, inicialmente, um animal que certamente “perdera todas as suas faculdades ao contato com o nosso clima, úmido e inóspito para os estrangeiros.”. Surge aí, então, a possibilidade de leitura para a voracidade do capitalismo na figura do crocodilo com suas mandíbulas e interior vazio. O capitalismo passa a ser construído por Dostoiévski a partir desta metáfora. Mas com que objetivo o autor de Os demônios trabalha com a realidade de modo fantástico para retratar o que a Rússia está vivendo na segunda metade do século XIX?


Dostoiévski aproxima-se do ocidentalismo até ser preso e ser enviado aos trabalhos forçados na Sibéria. Passados os dez anos a que foi submetido em Omsk, em Semipalatinsk e em Tver, o autor de Recordações da casa dos mortos (1861) compreende que está no povo russo a salvação de sua pátria e, no tzar, o pai de toda a Rússia. Sua guinada eslavófila acontece e os ataques aos intelectuais que creditam no capitalismo a salvação da Rússia é implacável. No plano socioeconômico, a Rússia vive um dilema profundo, pois com a libertação dos servos em 1861, estes são completamente abandonados. Uma das possibilidades dada aos camponeses é partir para as cidades, engrossando a mão de obra das indústrias e a miséria citadina. Os impostos abalam os proprietários de terras, assim como a miséria continua compartilhada para os mujiques. Na prática, as mudanças exigidas pelos mais revolucionários tornam-se basicamente reformas inócuas. Uma das vertentes ideológicas que surge é o investir no capitalismo. Para isso, é necessário abrir a cultura e a mente das classes sociais russas para o Ocidente. Surge, desta tentativa, o choque e a resistência de alguns intelectuais, assim como outros acreditam que está no capitalismo a solução da Rússia ao incorporar o princípio fundamental do ocidentalismo para criar, entre outros mecanismos, uma burguesia endinheirada. Esta dualidade será trabalhada por Dostoiévski em O crocodilo, de modo crítico e destruidor, ao mostrar a voracidade do capitalismo e a estagnação que o dinheiro causa no homem com sua frieza, sua impassibilidade e sua capacidade de fazer os homens tornarem-se autômatos em suas funções alimentadas pelo capital e pela maneira de pensar do mundo ocidentalista.


O enredo de O crocodilo é construído com habilidade admirável, pois Dostoiévski acrescenta, ao fantástico estranhamento, o estranhamento do capitalismo que divide opiniões, causa desconforto e dúvida nos protagonistas. O início do embate surge com algo bastante corriqueiro: um convite de Ielena Ivânovna ao marido para verem certo crocodilo na Passagem. Como está de licença de saúde da repartição, Ivan Matviéitch aceita curioso o convite e acrescenta que será bom acostumar-se com o aborígene animal vindo da Europa, já que fará em breve viagem. O dono do crocodilo é um alemão, assim como comanda o animal em seu negócio. Se o crocodilo é o capitalismo europeu, surge o primeiro comentário irônico, pois com o clima inóspito da Rússia, certamente o crocodilo perdeu todas as suas faculdades… Ielena Ivânovna vê o crocodilo não da maneira que imaginava, ou seja, o vê de modo diferente do que está a ver. O narrador sai, então, com o seguinte comentário: ela imaginava ver o crocodilo como um diamante. Ielena Ivânovna afirma que o crocodilo “não é vivo”. Deste modo, o capitalismo é diamante e, como todo diamante, não pode ser riscado por outro mineral, mas tem como característica a fragilidade. Como todo sistema ideológico, este tem consistência e fragilidade, conforme o homem o vê deste ou daquele modo. É assim que Ielena Ivânovna enxerga inicialmente o crocodilo. Também acha o animal nojento e teme que ele povoará os seus sonhos. Diante deste comentário, o alemão a faz descer à realidade, pois argumenta ironicamente que, ao menos, o crocodilo não a morderá em sonho. De fato, o dinheiro pode morder as pessoas no cotidiano, engolindo-as vorazmente. Em seguida, Ielena Ivânovna compara, ao ver na sala do crocodilo, macacos com seus amigos e conhecidos. De repente, Ivan Matviéitch é engolido pelo crocodilo. Estupefação geral, paralisia, preocupação e gritos entre os presentes. O comentário do narrador é autêntico: poderia ser pior caso tivesse sido com ele, para, depois, afirmar que Ivan Matviéitch está liquidado! Assim a crítica ao capitalismo vai ganhando forma no texto. O problema é que o crocodilo engoliu todo um funcionário, ou seja, todo um burocratismo que pode comprometer a estrutura do animal ou, ainda, do capitalismo na Rússia burocratizada em suas repartições. A solução de Ielena Ivânovna é “espancar” o animal, o que pode ocasionar vaias e repúdio das crônicas progressistas e das folhas satíricas da cidade. Surge, neste instante, de dentro do crocodilo, a voz firme e convicta de Ivan Matviéitch afirmando que está bem de saúde. Sua preocupação é com os seus superiores, pois estes acreditam na viagem à Europa para tratamento de saúde de seu funcionário. O engolido tem também “presença de espírito”. O crocodilo/capitalismo faz bem ao seu próprio alimento. A mútua alimentação entre engolido e engolidor é o que se destaca em primeiro lugar, ou seja, o princípio econômico, pois, desta forma, o dono de Carlinhos pode aumentar o valor do ingresso para ver o crocodilo em sua sala, assim como não precisa mais alimentar o animal. Comentário de Siemión Siemiônitch no momento destes comentários: “infeliz prisioneiro”. O narrador comporta-se como o único dos personagens com real distanciamento em relação a tudo aquilo que ocorre do “Relato verídico de como um cavalheiro de idade e aspecto conhecidos foi engolido vivo e inteiro por um crocodilo da Passagem, e o que disto resultou.”. O narrador propõe fazer queixa aos superiores, mas Ivan Matviéitch argumenta os custos altos para abrir o crocodilo; já o alemão lembra “o amor ao ganho”. Para Ivan Matviéitch, o crocodilo é macio e quente; para o narrador, ele está cansado de toda esta história; para Ielena Ivânovna, ela de nada entende do princípio econômico. Ivan Matviéitch orienta o amigo a procurar conselho com o velho Tiemofiéi Siemiônitch. Com a entrada deste personagem na trama, percebe-se que suas ideias são a reprodução de Ignáti Prokófitch, pois este é capitalista, acha a indústria na Rússia insuficiente, sendo, deste modo, necessário “engendrá-la”, ou seja, ela, a classe média ou, ainda, a burguesia, e crê ser necessário atrair o capital estrangeiro para o país. Siemión Siemiônitch tece, neste momento da narrativa, ironias aos benefícios do capital estrangeiro na Rússia como anunciam os jornais. Para Tiemofiéi Siemiônitch “o caso é suspeito e inédito”, mas explicado pela vida que Ivan Matviétich levava até então. Aqui alusão ao comportamento arrogante do engolido pelo capitalismo, assim como a referência à vida fútil da esposa do mais novo capitalista na sociedade russa. O velho Tiemofiéi Siemiônitch opina sobre o episódio da seguinte maneira: “o capital do homem do crocodilo duplicou-se por intermédio de Ivan Matviéitch, e nós, em lugar de proteger o proprietário estrangeiro, queremos abrir a barriga do próprio capital de base.”. O que se deve fazer é estimular a burguesia! Siemión Siemiônitch contrapõe que “o senhor exige uma abnegação quase antinatural do infeliz Ivan Matviéitch!”, ou seja, o homem russo dividido com a nova ideia capitalista na Rússia e sua formação tipicamente eslavófila. Comentário raso de Tiemofiéi Siemiônitch: quem ordenou entrar no crocodilo? Ou seja, se não tens capacidade para fazer algo, por que arrisca em fazê-lo? Atitudes de homens assim são vistos em Rodion Románovitch Raskólnikov, em Crime e castigo (1866), em comentário de Arkadi Ivánovitch Svidrigáilov. Para resolver o impasse, Siemión Siemiônitch sugere ao velho Tiemofiéi Siemiônitch uma “missão especial” de Ivan Matviéitch para observar as profundezas do crocodilo sem, no entanto, deixar de receber seus vencimentos enquanto funcionário de sua repartição. Colher dados do inusitado para análise, argumenta o amigo do prisioneiro, mas Tiemofiéi Siemiônitch lembra que a Rússia tem muitos dados e não sabe o que fazer com eles… Termina, desta forma, o capítulo II com o comentário do narrador fazendo referência ao episódio como um “sonho monstruoso”. No capítulo III, a ambição capitalista de Ivan Matviéitch ganha forma em seu projeto de realizar palestras aos visitantes, em especial, aos intelectuais. Assim instruirá o público e deseja, desta forma, uma carreira brilhante para si mesmo. Sente-se orgulhoso, quase não usa os pronomes pessoais e acredita que do crocodilo sairá a “vedade e a luz”. Será um “novo Fourier”, mas, agora, do capitalismo, e pretende desenvolver nova teoria das relações econômicas. Pensa em projeto para Ielena Ivânovna e deseja mostrar à sociedade quem ele realmente é! Ele e a esposa, segundo pensa Ivan Matviéitch, irão longe, pois o casal reúne as características exigidas para a ascensão capitalista: a inteligência dele e a beleza e afabilidade de Ielena Ivânovna. Basta que a esposa, para atualizar-se e ter melhor conhecimento, leia o dicionário enciclopédico de Kraiévski! (Aqui, Dostoiévski levanta a celeuma da época sobre a capacidade de Kraiévski escrever sobre tudo o que é assunto neste dicionário com investimento do governo.) Como é o interior do crocodilo?, deseja saber o narrador. Vazio, responde a vítima do crocodilo e completa: “possui somente mandíbulas, providas de dentes aguçados, e a cauda consideravelmente longa; realmente, é tudo.”. Eis a definição, no momento do enredo, do capitalismo. O crocodilo também é elástico, informa Ivan Matviéitch. Este pensa já na sua primeira conferência a realizar ali na Passagem: começará com a etimologia da palavra “crocodilo”. Talvez do italiano “crocodillo”, “voracidade”; ou do francês “croquer”, “comer”, “devorar”. Tanto o crocodilo como Ivan Matviéitch são alimentados mutuamente e, mesmo deitado de lado, significando em russo “preguiça”, ele é capaz de ter ideias. Assim inventará “todo um sistema social” e, para isso, basta negar tudo o que já foi dito inicialmente. Viverá mil anos como os crocodilos, embora reconheça que sua roupa não tenha esta durabilidade e, assim, corre o risco de ser destruído pelas substâncias do estômago do selvagem animal. E a liberdade?, indaga Siemión Siemiônitch ao amigo prisioneiro. O Sócrates ou Diógenes, ou ambos, como pretende ser Ivan Matviétich, lembra que os sábios amam a ordem, enquanto os selvagens, a independência. Seu temor: as revistas e os jornais; oficializa Siemión Siemiôvitch como seu secretário. Este lerá todos os jornais para ele. O narrador lembra ao alemão da efemeridade do crocodilo e de Ivan Matviéitch, assim como da possibilidade de exigência de pensão pedida judicialmente por Ielena Ivânovna. O alemão, temeroso, faz diversas exigências para vender o crocodilo, mas o que irrita profundamente o narrador é o alemão querer a patente de coronel do exército russo! Siemión Siemiôvitch vê tanto no alemão como no seu amigo “intoleráveis as esperanças antinaturais daqueles dois imbecis.”. Por fim, o narrador sonha com macacos e com Ielena Ivânovna. Em casa desta, o narrador vê o desinteresse de Ielena Ivânovna pelo marido preso no interior do crocodilo, insinuando que já tem amante, um tal de escurinho. A beldade chega, inclusive, a não lembrar do próprio marido, mas de seu dinheiro. Siemión Siemiônitch recorda da possibilidade dos três habitarem o interior do crocodilo. Já na repartição, através dos jornais O Cabelo e A Folhinha, as notícias do episódio com Ivan Matviéitch aparecem bastante distorcidas. Nada mais é possível fazer para conter os boatos que se acumulam. O capitalismo é notícia. No fim do relato, duas homenagens a Nikolai Gógol, quando Siemión Siemiôvitch procura esconder seu rosto na gola de seu capote e quando Prókhor Sávitch baixa o seu nariz para seus papéis. Fiódor Dostoiévski quer fazer com O crocodilo uma imitação de O nariz de Gógol.

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