O título O crocodilo pode ser intrigante para quem
não está acostumado com a literatura de Fiódor Dostoiévski, embora as surpresas
que o autor de Humilhados e ofendidos (1861)
apresenta em alguns de seus títulos mostram a capacidade também de Dostoiévski
em atrair o seu público através de título estranho ou curioso. Uma lista surge
com Bóbok (1873), Uma criatura dócil (1876), O duplo (1846), O idiota (1868), Os demônios
(1871), O eterno marido (1870), Sonhos de Petersburgo em verso e prosa (1873),
entre outros. Do resgate social em O
crocodilo (1864), como chama atenção Boris Schnaiderman, “Fica evidente (…)
a relação do jornalístico (…) com uma reflexão lancinante sobre o homem e a
sociedade.”. Em outros títulos, o autor também explora obras diretamente
ligadas ao cotidiano e aos jornais e revistas russas de sua época, como Bóbok, Sonhos de Petersburgo em verso e prosa, Uma criatura dócil (1876) e O
senhor Prokhartchin (1846), além de passagens significativas de seus romances da
maturidade. Diário de um escritor
foi desenvolvido por Dostoiévski entre os anos de 1873 e 1878. Boa parte da
preocupação do escritor de Gente pobre (1846)
pelo social imediato está presente nestes seus textos, assim como a colaboração
que faz nas revistas de seu irmão Mikháil Mikháilovitch Dostoiévski em tempos
de Vrêmia (O Tempo) e do Epokha (A Época). A atividade jornalística de
Dostoiévski é combustível em sua literatura, assim como seu ponto de vista é
recorrente em nível das críticas que faz em textos que diversas vezes tornam-se
híbridos em seus gêneros, transitando entre a ficção e a não-ficção. Para o
leitor acostumado com apenas Crime e
castigo (1866) e Os irmãos Karamázov (1880), esta
atividade prosaica e eficaz do autor pode passar desapercebida, mas ela também
existe nestes textos. Meses depois da escrita de O crocodilo, Dostoiévski escreve Memórias do subsolo, também no ano de 1864. Não estariam nestes
dois textos, apesar de suas diferenças, uma diretriz bastante próxima em nível
do discurso social e filosófico proposto pelo autor?, sugere Boris
Schnaiderman. Em Notas de inverno sobre
impressões de verão também já se percebe indícios daquilo que “o homem do
subsolo” ironizaria e conceituaria sobre a sociedade e as “habilidades” que o
homem tem para deslocar-se do âmbito social, embora de modo mais profundo.
Em O crocodilo, encontramos
poucos personagens que se relacionam entre si, pois como conto (ou novela
chamada por alguns críticos) precisa, por seu enredo, transitar num número reduzido
de protagonistas e de coadjuvantes. Como o texto é inacabado, talvez por isso a
“classificação necessária e sistemática” de inclui-la também como novela, etc.
Dostoiévski deixa escrito rascunhos sobre a continuação de O crocodilo, com tópicos e observações delirantes, com sugestões de
continuidade para alguns personagens e com desenvolvimento de fantasias de
conotação sexual. Certamente ideias do rascunho que se concretizadas no texto
“concluído” pelo autor enfrentaria problemas com a censura de sua época.
Em nível dos personagens, em
número de treze, desconsiderando dois ou três que são citados em artigo de O Cabelo (Lukianov; Afímia Skapidárova;
um soldado), pode-se centrar a discussão e suas simbologias em papéis
definidores para fundamentar a sátira à burocracia como a crítica ao
capitalismo que Dostoiévski emprega em seu texto.
Começando pelo narrador,
percebemos a testemunha construída por Dostoiévski para que perambule ao lado
do casal Ielena Ivânovna e Ivan Matviéitch. A dependência que o narrador tem
deste casal é notável, tanto pela sedutora beleza e futilidade de Ielena
Ivânova, como pelo autoritarismo do amigo que vem desde a infância do narrador,
com o desejo deste de já ter rompido tal amizade. Entretanto, como se vê, essa
ruptura não se concretiza. O oscilar da personalidade do narrador Siemión
Siemiôvitch é também notável, pois ao mesmo tempo que odeia o amigo, adora a
esposa deste e sugere a permanência deste triângulo social dentro do próprio
crocodilo, local que possibilitaria a presença dos três, nas palavras de Ivan
Matviéitch. Siemión Siemiôvitch passa tal ideia para Ielena Ivânovna. Apesar de
sua condição de dependência para com o casal, o narrador não deixa de ser
opiniático e julgador, criando juízos de valor para os demais personagens,
utilizando recursos como o cinismo, o puxa-saquismo, a submissão, assim como
alguns conceitos unilaterais. Como conversa com o leitor, sugere crítica a
todos àqueles que convivem com ele. O que se percebe é que sua dificuldade está
em abandonar o seu meio social, seja com o casal protagonista, seja com aqueles
que se relaciona na repartição na qual trabalha. Afinal, nada mais natural para
a maioria das pessoas, para viver em sintonia com o mundo, do que fazer
concessões, às vezes, desagradáveis. Para o narrador, o alemão é um ganancioso,
Ielena Ivânovna, fútil, Ivan Matviéitch (Matviéievitch), leviano e invejoso.
Vantagem do narrador Siemión Siemiôvitch sobre os demais personagens, além de
comandar a narrativa: tem consciência do absurdo que ocorre com o amigo dentro
do crocodilo. Os patronímicos dos personagens tornam-se corruptelas criando,
desta maneira, intimidade e cotidiano.
Ivan Matviéitch é apresentado
inicialmente como marido de uma bela e jovem mulher. Com algum problema de
saúde (que o leitor nem desconfia qual seja), ganha passagens para o
estrangeiro para lá se tratar, embora tenha mais vontade de conhecer as coisas
novas que o exterior proporciona (no caso, a Europa, a ocidentalização
ironizada na obra). De saúde precária, encontramos o mesmo Ivan Matviéitch de
bem com a vida e com sua saúde quando no interior do crocodilo, metáfora do capitalismo
(e de sua ocidentalização) na Rússia pós 1861. Do doente funcionário público
bancado por sua própria repartição, Ivan Matviéitch torna-se um megalomaníaco e
patético homem cooptado pela parafernália do sistema capitalista na Rússia. Sem
o capitalismo em sua vida, um homem doente; com o capitalismo, sua saúde
melhora. No decorrer do enredo, torna-se irritado com algumas colocações
contrárias à disposição dele pelo amigo, assim como autoritário em relação à
esposa e ao próprio Siemión Siemiôvitch.
Ielena Ivânovna é o símbolo da
beleza e da futilidade, sendo requisitada pelo próprio marido, pelo narrador,
pelo Tiemofiéi Siemiônitch, pelo escurinho, etc. Sensual, leviana e adulterina,
credita-se viúva com direito ao dinheiro do ordenado do marido que deveria
estar em casa e não dentro de um crocodilo. Aqui, a argumentação de Siemión
Siemiôvitch de que seu amigo Ivan Matviéitch ama Ielena Ivânovna faz pouco
efeito na limitada esposa. Ao escutar, entretanto, os projetos que o marido tem
para ela de recepcionar em casa a intelectualidade que ele preparará de dentro
do crocodilo com suas palestras, ela, imediatamente, afirma precisar de todo o
salário do marido para a compra de inúmeros vestidos.
Tiemofiéi Siemiônitch é
reprodução de fala alheia, no caso, da fala capitalista de Ignáti Prokófitch,
pois é homem de pouca inteligência. Sua característica o impulsiona para ser a
metáfora do funcionalismo da sociedade russa, já que tem 50 anos de atividade
neste ramo.
Os alemães do enredo são
protagonizados pelo alemão (dono do crocodilo Carlinhos/ Karlchen) e sua Mutter.
Frios e arrogantes como o sistema de troca capitalista, sua fonte de riqueza,
inicialmente, é o crocodilo para, em seguida, ser também o prisioneiro do vazio
do estômago do animal aborígene. O vazio capitalista impera naqueles que
devoram os outros por seu sistema e princípio econômico.
O capitalismo é personagem a
ser analisado no enredo, pois é a metáfora de Carlinhos, o crocodilo. O que o
rege é o “princípio econômico em primeiro lugar” e a “atração de capitais
estrangeiros”. Deste modo, o crocodilo valoriza Ivan Matviéitch e este se sente
valorizado por seu aspecto externo, pois dentro do animal só há o vazio,
segundo a avaliação de Ivan Matviéitch. Completamente desumano, o
crocodilo/capitalista é defendido por alguns jornais, ressonância do que está
acontecendo de fato em nível social na Rússia. A novidade contagia, assim como
intelectuais promovem o novo sistema adaptado num clima inóspito, como o
narrador avalia. A arrogância de Ivan Matviéitch é proporcional ao destaque que
o crocodilo o permite, ou seja, a possibilidade de anunciação do sistema
capitalista nas palestras que Ivan Matviéitch deseja fazer aos intelectuais que
visitarão a sala do crocodilo. O círculo do dinheiro se completaria desta
forma, pois paga-se o alemão para poder escutar o vazio interior do animal na
metáfora do intelectual Ivan Matviéitch com seu discurso vazio para
intelectuais dispostos a escutar as façanhas do dinheiro na nova sociedade que
se deve criar na Rússia com uma burguesia capitalista.
Dostoiévski escreve O crocodilo no ano de 1864. Graças aos
acessos que deixou de seus rascunhos, sabemos da intenção do autor em dar
continuidade a este texto inconcluso. Entretanto, a análise possível que se
pode fazer é com aquilo que se articula dentro da evolução dos subepisódios
decorrentes do episódio mais significativo e simbólico do crocodilo voraz
engolindo Ivan Matviéitch, após breve provocação deste. O crocodilo é visto
como, inicialmente, um animal que certamente “perdera todas as suas faculdades
ao contato com o nosso clima, úmido e inóspito para os estrangeiros.”. Surge
aí, então, a possibilidade de leitura para a voracidade do capitalismo na
figura do crocodilo com suas mandíbulas e interior vazio. O capitalismo passa a
ser construído por Dostoiévski a partir desta metáfora. Mas com que objetivo o
autor de Os demônios trabalha com a
realidade de modo fantástico para retratar o que a Rússia está vivendo na
segunda metade do século XIX?
Dostoiévski aproxima-se do
ocidentalismo até ser preso e ser enviado aos trabalhos forçados na Sibéria.
Passados os dez anos a que foi submetido em Omsk, em Semipalatinsk e em Tver, o
autor de Recordações da casa dos mortos (1861)
compreende que está no povo russo a salvação de sua pátria e, no tzar, o pai de
toda a Rússia. Sua guinada eslavófila acontece e os ataques aos intelectuais
que creditam no capitalismo a salvação da Rússia é implacável. No plano
socioeconômico, a Rússia vive um dilema profundo, pois com a libertação dos servos
em 1861, estes são completamente abandonados. Uma das possibilidades dada aos
camponeses é partir para as cidades, engrossando a mão de obra das indústrias e
a miséria citadina. Os impostos abalam os proprietários de terras, assim como a
miséria continua compartilhada para os mujiques. Na prática, as mudanças
exigidas pelos mais revolucionários tornam-se basicamente reformas inócuas. Uma
das vertentes ideológicas que surge é o investir no capitalismo. Para isso, é
necessário abrir a cultura e a mente das classes sociais russas para o
Ocidente. Surge, desta tentativa, o choque e a resistência de alguns
intelectuais, assim como outros acreditam que está no capitalismo a solução da
Rússia ao incorporar o princípio fundamental do ocidentalismo para criar, entre
outros mecanismos, uma burguesia endinheirada. Esta dualidade será trabalhada
por Dostoiévski em O crocodilo, de
modo crítico e destruidor, ao mostrar a voracidade do capitalismo e a
estagnação que o dinheiro causa no homem com sua frieza, sua impassibilidade e
sua capacidade de fazer os homens tornarem-se autômatos em suas funções
alimentadas pelo capital e pela maneira de pensar do mundo ocidentalista.
O enredo de O crocodilo é construído com habilidade
admirável, pois Dostoiévski acrescenta, ao fantástico estranhamento, o
estranhamento do capitalismo que divide opiniões, causa desconforto e dúvida
nos protagonistas. O início do embate surge com algo bastante corriqueiro: um
convite de Ielena Ivânovna ao marido para verem certo crocodilo na Passagem.
Como está de licença de saúde da repartição, Ivan Matviéitch aceita curioso o
convite e acrescenta que será bom acostumar-se com o aborígene animal vindo da
Europa, já que fará em breve viagem. O dono do crocodilo é um alemão, assim
como comanda o animal em seu negócio. Se o crocodilo é o capitalismo europeu,
surge o primeiro comentário irônico, pois com o clima inóspito da Rússia,
certamente o crocodilo perdeu todas as suas faculdades… Ielena Ivânovna vê o
crocodilo não da maneira que imaginava, ou seja, o vê de modo diferente do que
está a ver. O narrador sai, então, com o seguinte comentário: ela imaginava ver
o crocodilo como um diamante. Ielena Ivânovna afirma que o crocodilo “não é
vivo”. Deste modo, o capitalismo é diamante e, como todo diamante, não pode ser
riscado por outro mineral, mas tem como característica a fragilidade. Como todo
sistema ideológico, este tem consistência e fragilidade, conforme o homem o vê
deste ou daquele modo. É assim que Ielena Ivânovna enxerga inicialmente o
crocodilo. Também acha o animal nojento e teme que ele povoará os seus sonhos.
Diante deste comentário, o alemão a faz descer à realidade, pois argumenta
ironicamente que, ao menos, o crocodilo não a morderá em sonho. De fato, o
dinheiro pode morder as pessoas no cotidiano, engolindo-as vorazmente. Em
seguida, Ielena Ivânovna compara, ao ver na sala do crocodilo, macacos com seus
amigos e conhecidos. De repente, Ivan Matviéitch é engolido pelo crocodilo.
Estupefação geral, paralisia, preocupação e gritos entre os presentes. O
comentário do narrador é autêntico: poderia ser pior caso tivesse sido com ele,
para, depois, afirmar que Ivan Matviéitch está liquidado! Assim a crítica ao
capitalismo vai ganhando forma no texto. O problema é que o crocodilo engoliu
todo um funcionário, ou seja, todo um burocratismo que pode comprometer a
estrutura do animal ou, ainda, do capitalismo na Rússia burocratizada em suas
repartições. A solução de Ielena Ivânovna é “espancar” o animal, o que pode
ocasionar vaias e repúdio das crônicas progressistas e das folhas satíricas da
cidade. Surge, neste instante, de dentro do crocodilo, a voz firme e convicta
de Ivan Matviéitch afirmando que está bem de saúde. Sua preocupação é com os
seus superiores, pois estes acreditam na viagem à Europa para tratamento de
saúde de seu funcionário. O engolido tem também “presença de espírito”. O
crocodilo/capitalismo faz bem ao seu próprio alimento. A mútua alimentação
entre engolido e engolidor é o que se destaca em primeiro lugar, ou seja, o
princípio econômico, pois, desta forma, o dono de Carlinhos pode aumentar o
valor do ingresso para ver o crocodilo em sua sala, assim como não precisa mais
alimentar o animal. Comentário de Siemión Siemiônitch no momento destes
comentários: “infeliz prisioneiro”. O narrador comporta-se como o único dos
personagens com real distanciamento em relação a tudo aquilo que ocorre do
“Relato verídico de como um cavalheiro de idade e aspecto conhecidos foi
engolido vivo e inteiro por um crocodilo da Passagem, e o que disto resultou.”.
O narrador propõe fazer queixa aos superiores, mas Ivan Matviéitch argumenta os
custos altos para abrir o crocodilo; já o alemão lembra “o amor ao ganho”. Para
Ivan Matviéitch, o crocodilo é macio e quente; para o narrador, ele está
cansado de toda esta história; para Ielena Ivânovna, ela de nada entende do
princípio econômico. Ivan Matviéitch orienta o amigo a procurar conselho com o
velho Tiemofiéi Siemiônitch. Com a entrada deste personagem na trama,
percebe-se que suas ideias são a reprodução de Ignáti Prokófitch, pois este é
capitalista, acha a indústria na Rússia insuficiente, sendo, deste modo,
necessário “engendrá-la”, ou seja, ela, a classe média ou, ainda, a burguesia,
e crê ser necessário atrair o capital estrangeiro para o país. Siemión Siemiônitch
tece, neste momento da narrativa, ironias aos benefícios do capital estrangeiro
na Rússia como anunciam os jornais. Para Tiemofiéi Siemiônitch “o caso é
suspeito e inédito”, mas explicado pela vida que Ivan Matviétich levava até
então. Aqui alusão ao comportamento arrogante do engolido pelo capitalismo,
assim como a referência à vida fútil da esposa do mais novo capitalista na
sociedade russa. O velho Tiemofiéi Siemiônitch opina sobre o episódio da
seguinte maneira: “o capital do homem do crocodilo duplicou-se por intermédio
de Ivan Matviéitch, e nós, em lugar de proteger o proprietário estrangeiro,
queremos abrir a barriga do próprio capital de base.”. O que se deve fazer é
estimular a burguesia! Siemión Siemiônitch contrapõe que “o senhor exige uma abnegação
quase antinatural do infeliz Ivan Matviéitch!”, ou seja, o homem russo dividido
com a nova ideia capitalista na Rússia e sua formação tipicamente eslavófila.
Comentário raso de Tiemofiéi Siemiônitch: quem ordenou entrar no crocodilo? Ou
seja, se não tens capacidade para fazer algo, por que arrisca em fazê-lo?
Atitudes de homens assim são vistos em Rodion Románovitch Raskólnikov, em Crime e castigo (1866), em comentário
de Arkadi Ivánovitch Svidrigáilov. Para resolver o impasse, Siemión Siemiônitch
sugere ao velho Tiemofiéi Siemiônitch uma “missão especial” de Ivan Matviéitch
para observar as profundezas do crocodilo sem, no entanto, deixar de receber
seus vencimentos enquanto funcionário de sua repartição. Colher dados do
inusitado para análise, argumenta o amigo do prisioneiro, mas Tiemofiéi
Siemiônitch lembra que a Rússia tem muitos dados e não sabe o que fazer com
eles… Termina, desta forma, o capítulo II com o comentário do narrador fazendo
referência ao episódio como um “sonho monstruoso”. No capítulo III, a ambição
capitalista de Ivan Matviéitch ganha forma em seu projeto de realizar palestras
aos visitantes, em especial, aos intelectuais. Assim instruirá o público e
deseja, desta forma, uma carreira brilhante para si mesmo. Sente-se orgulhoso, quase
não usa os pronomes pessoais e acredita que do crocodilo sairá a “vedade e a
luz”. Será um “novo Fourier”, mas, agora, do capitalismo, e pretende
desenvolver nova teoria das relações econômicas. Pensa em projeto para Ielena
Ivânovna e deseja mostrar à sociedade quem ele realmente é! Ele e a esposa,
segundo pensa Ivan Matviéitch, irão longe, pois o casal reúne as
características exigidas para a ascensão capitalista: a inteligência dele e a
beleza e afabilidade de Ielena Ivânovna. Basta que a esposa, para atualizar-se
e ter melhor conhecimento, leia o dicionário enciclopédico de Kraiévski! (Aqui,
Dostoiévski levanta a celeuma da época sobre a capacidade de Kraiévski escrever
sobre tudo o que é assunto neste dicionário com investimento do governo.) Como
é o interior do crocodilo?, deseja saber o narrador. Vazio, responde a vítima
do crocodilo e completa: “possui somente mandíbulas, providas de dentes
aguçados, e a cauda consideravelmente longa; realmente, é tudo.”. Eis a
definição, no momento do enredo, do capitalismo. O crocodilo também é elástico,
informa Ivan Matviéitch. Este pensa já na sua primeira conferência a realizar
ali na Passagem: começará com a etimologia da palavra “crocodilo”. Talvez do
italiano “crocodillo”, “voracidade”; ou do francês “croquer”, “comer”,
“devorar”. Tanto o crocodilo como Ivan Matviéitch são alimentados mutuamente e,
mesmo deitado de lado, significando em russo “preguiça”, ele é capaz de ter
ideias. Assim inventará “todo um sistema social” e, para isso, basta negar tudo
o que já foi dito inicialmente. Viverá mil anos como os crocodilos, embora
reconheça que sua roupa não tenha esta durabilidade e, assim, corre o risco de
ser destruído pelas substâncias do estômago do selvagem animal. E a liberdade?,
indaga Siemión Siemiônitch ao amigo prisioneiro. O Sócrates ou Diógenes, ou
ambos, como pretende ser Ivan Matviétich, lembra que os sábios amam a ordem,
enquanto os selvagens, a independência. Seu temor: as revistas e os jornais;
oficializa Siemión Siemiôvitch como seu secretário. Este lerá todos os jornais
para ele. O narrador lembra ao alemão da efemeridade do crocodilo e de Ivan
Matviéitch, assim como da possibilidade de exigência de pensão pedida
judicialmente por Ielena Ivânovna. O alemão, temeroso, faz diversas exigências
para vender o crocodilo, mas o que irrita profundamente o narrador é o alemão
querer a patente de coronel do exército russo! Siemión Siemiôvitch vê tanto no
alemão como no seu amigo “intoleráveis as esperanças antinaturais daqueles dois
imbecis.”. Por fim, o narrador sonha com macacos e com Ielena Ivânovna. Em casa
desta, o narrador vê o desinteresse de Ielena Ivânovna pelo marido preso no
interior do crocodilo, insinuando que já tem amante, um tal de escurinho. A
beldade chega, inclusive, a não lembrar do próprio marido, mas de seu dinheiro.
Siemión Siemiônitch recorda da possibilidade dos três habitarem o interior do
crocodilo. Já na repartição, através dos jornais O Cabelo e A Folhinha, as
notícias do episódio com Ivan Matviéitch aparecem bastante distorcidas. Nada
mais é possível fazer para conter os boatos que se acumulam. O capitalismo é
notícia. No fim do relato, duas homenagens a Nikolai Gógol, quando Siemión
Siemiôvitch procura esconder seu rosto na gola de seu capote e quando Prókhor
Sávitch baixa o seu nariz para seus papéis. Fiódor Dostoiévski quer fazer com O crocodilo uma imitação de O nariz de Gógol.
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